sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Tenho um outono no corpo: Mariana Botelho


[s/i/c]



ESTAÇÃO


tenho um outono no corpo
de onde as
coisas
caem

vejo doçura nas roupas
espalhadas
pelo chão



AFINAÇÃO


há que se aprender a tirar silêncio
das coisas

quando uma coisa produz silêncio
ela está
pronta




Nota - os pequenos poemas de Mariana Botelho nos fazem crer que é possível. Que talvez medre uma nova safra de poetas no Brasil. Uma que venha a ser a primeira a testar seus poemas, postando-os em blogues e revistas virtuais, longe do amparo da celulóide, dos fotolitos. Longe do que se produz em profusão no olho da mídia (nos modorrentos lançamentos de livros de papel e más políticas). Seus poemas são preciosos, precisos. Tem algo de Emily Dickinson. Ou talvez de Lorine Niedecker. Do silêncio e do isolamento monástico de Dickinson. Da pulsão para a economia verbal de Niedecker. Suave coisa. São daqueles que você bate o olho e vê: é poesia! e não tem como não ser. Pois é como entrever sob água límpida os seixos depositados no leito do rio. Ela mesma diz isso belamente, em suas parcas e certeiras palavras: "eu choro pra pertencer à paisagem". E, mais auspicioso: saber que essa menina de uma cidadezinha chamada Padre Paraíso, no Vale do Jequitinhonha, em Minas, começou a divulgar seus poemas pela internet. Mas, claro, nem tudo se fecha aqui. Aguardemos para ver que desdobramento sua poesia terá. Se daqui uns tempos, alguns anos adiante, ela ainda terá essa ânsia de tornar-se uma com a própria paisagem. Um poeta se faz em todos os tempos. Podemos celebrar o talento bruto que ela tão evidentemente esboça neste início de percurso. Mas também torcer para que sua voz não definhe com o passar dos anos. Pois, como dizia Eliot, até os 25 anos todos somos poetas. Mas o autor dos Four Quartets também poderia ter acrescido: alguns são mais do que a média. Por enquanto - e sem dúvida - é o caso expresso de Mariana Botelho.


Adendo Posterior - O trecho, notável, em que Eliot diz isto é o seguinte:

Tradition is a matter of much wider significance. It cannot be inherited, and if you want it you must obtain it by great labour. It involves, in the first place, the historical sense, which we may call nearly indispensable to anyone who would continue to be a poet beyond his twenty-fifth year; and the historical sense involves a perception, not only of the pastness of the past, but of its presence. […]


Tradição é um ponto de significado bem mais amplo. Não é hereditária, e se você a quer, precisa obtê-la com grande empenho. Envolve, em primeiro lugar, o senso histórico, que podemos invocar como quase indispensável à qualquer um que queira continuar a ser poeta depois do vigésimo quinto aniversário; e o senso de história envolve a percepção não só da obsolescência do passado, como da sua presença. [...]



4 comentários:

  1. primeiro digo que fico feliz por estar aqui no "afetivagem". obrigada pelas palavras sobre essa poetinha que vos fala.

    e se até os 25 somos todos poetas... bem, agora é que começa minha prova de fogo...rsrs
    estou saindo deles.

    obrigada mesmo! um feliz natal pra ti.

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  2. grato, mariana. por seus belos poemas. pela visita e pelas palavras.

    lhe desejo as palavras certas - as q. tem sido até aqui, para este próximo ano em nove.

    sair dos 25, q. luxo!

    feliz natal!

    bjs.

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  3. mariana botelho - essa garota vai longe - lindos versos, delicadeza na escrita, belíssimas metáforas! o que espero agora? que venha publicada em livro por uma grande editora e tenha o sucesso merecido!

    líria porto

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