quinta-feira, 15 de fevereiro de 2007

Quatro dias de cidade

Nota de carnaval só para fortalezenses
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Carnaval. Independente de gostar, agrada pensar: milhões estão de férias. Centenas - talvez, milhares - são felizes. Diante de previsíveis microfones, repassam cosmética satisfação pelas praias do Brasil. Jornalismo? Não se pode chamar o que a imprensa faz no carnaval assim. Ninguém são pode ser previsível neste país. Aqui, previsibilidade rima com exceção. Ser feliz no carnaval: infeliz resto do ano? Ano comprimido, começado na Quaresma. Farto de si. Nasce, já pede sal-de-frutas. Fortaleza fica habitável durante folias. Hiato entre capitais do Nordeste, à reboque da colônia interiorana. Foliões seguem para veraneio de praias apinhadas. Refratários - mas a fim de novos ares - sobem a Serra de Guaramiranga prum festival de jazz, reservas antecipadas - opção que se consolidou, último lustro. Aliás, legado bom do carnaval: marchinhas; sambas-enredos, levados com pachorra, síncopes, da era pré-desfile televisivo. Coretos. Possuem força evocatica. Tingem período momino com listas gris de nostalgia. Trilha eloqüente do que ter sido poderia. Tempo lento de rios passando por vidas. Ou então, frevos carbonários. Tentativas de se criar carnaval para Fortaleza: parte impertinentes, parte fantasiosas. Havia blocos-de-sujo. Corso. Manifestações ilhadas. Inconfluentes. Nada comparável à febre metálica do frevo. À síncope convidativa das marchinhas. Cearenses são anti-coletivos. Recentes demais para ir além dos sujos, salões de clubes, cordões, batalhas de confete, lança-perfumes, papangus. Espontaneísmo entre vizinhos. Brincadeira de bairro. Qualquer necessidade de infraestrutura pública. Carnavais d'antanho, outros carnavais deixam rasa saudade no fortalezense. Saudade de si mais que do evento. Ninguém se perdeu na folia, por aqui, feito pernambucanos. Muitos saem de si. Mas não entram no carnaval. O pulso em retardo do marcatu cearense nos legou triângulo fornido sopesando quilos de tristeza n'alma. Em plena folia. Rostos repintados de preto. Senso de gravidade que, para uma criança, pode roçar horror. Quem lucra com o desfile oficial, na Av. Domingos Olympio? A cidade não rima com carnaval. Escrito. Está em romances, crônicas. A maioria fica em casa. Toma banho de chuva. Desfruta de uma Fortaleza como não se vê há anos. Tudo é carnaval? Beleza! Tudo em volta é só beleza. Cinemas sem filas. Praias quase desertas. Ônibus praticáveis. Calçadas para palmilhar em segurança. Trânsito fluindo. Dias de folia? Temos cidade! Cidadania de quatro dias ao ano. Que assim seja.

2 comentários:

  1. cidadania plena. espaço pra sentir, perceber a cidade com uma força mais natural de dias tranquilos. de perceber expecificamente o seu espaço. quando as pessoas (boa parte) se "refugiam", vão pro carnaval nesse sentido de festa, meio um culto a baco, dias onde tudo é aceitável e explicável. em praias e serras. gosto da idéia de perceber fortaleza por ela mesma.

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  2. pois sim, priscila. a cidade fica uma pequena jóia durante os dias de carnaval. muito mais desfrutável. concordo com v. inteiramente.

    abs.

    ruy

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