domingo, 2 de março de 2008

Declaração de amor a uma das solidões perfeitas, a da leitura: Stevens


Paul Klee, 1909



The house was quiet and the world was calm

The house was quiet and the world was calm.
The reader became the book; and summer night

Was like the conscious being of the book.
The house was quiet and the world was calm.

The words were spoken as if there was no book,
Except that the reader leaned above the page,

Wanted to lean, wanted much most to be
The scholar to whom his book is true, to whom

The summer night was like a perfection of thought.
The house was quiet because it had to be.

The quiet was part of the meaning, part of the mind:
The access of perfection to the page.

And the world was calm. The truth in a calm world,
In which there is no other meaning, itself

Is calm, itself is summer and night, itself
Is the reader leaning late and reading there.

Wallace Stevens


A casa era quieta e o mundo era calmo

A casa era quieta e o mundo era calmo.
Leitor virou livro, e a noite de verão

Era como ser consciente o livro.
A casa era quieta e o mundo era calmo.

Palavras eram ditas como se não tivesse livro,
Só que o leitor, curvo sobre a página,

Queria curvar-se, queria muito mais
Ser o sábio para quem o livro é real

E a noite de verão, uma perfeição pensada.
A casa era quieta porque tinha de ser.

A quietude era parte do senso, da mente:
Acesso de perfeição à página.

E o mundo era calmo. A verdade num mundo
Calmo, em que não há outro senso, é

Calma, só verão e noite, só
leitor, ali, lendo, tarde da noite.




Nota - não posso evitar a emoção toda vez que leio este poema. Wallace Stevens era um sujeito muito austero. Ele escreveu-o para seu pai, um leitor voraz - desses de esgotar um romance volumoso em uma noite. O modo como se dá interseção entre leitor e livro é absolutamente encantador. Até chegar ao dístico mais belo - se é que há algo assim num poema tão especial: "E a noite de verão, uma perfeição pensada/ A casa era quieta porque tinha de ser". De fato, o poema é peça de antologia. E pelo modo com que celebra tão belamente o prazer da leitura. Há ao mesmo tempo sonho, solidão e uma imensa harmonia. Foi bastante traduzido em português. Cito duas traduções: a de Paulo Henriques Britto para uma antologia de Stevens editada para a Companhia das Letras em 1987; e a de Amir Brito Cadôr, para o Suplemento de Minas, uns três anos atrás. Infelizmente, o prazer da leitura está cada vez mais deixado de lado. Ontem, meu irmão, que é professor universitário, área de Comunicação, me contou que havia pedido um texto para a próxima aula sobre um determinado assunto. Pronta e inevitável pergunta dos alunos: "qual o tamanho? É grande"? E meu irmão: "não, uma lauda". Silêncio em bloco. Certa tensão no ar. E, de repente, um deles diz: "Professor, o que é uma lauda?"

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