sábado, 19 de setembro de 2009

Ninguém sem água: Auden


Gianfranco Frattini, 1983



First Things First


Woken, I lay in the arms of my own warmth and listened
To a storm enjoying its storminess in the winter dark
Till my ear, as it can when half-asleep or half-sober,
Set to work to unscramble that interjectory uproar,
Construing its airy vowels and watery consonants
Into a love-speech indicative of a Proper Name.

Scarcely the tongue I should have chosen, yet, as well
As harshness and clumsiness would allow, it spoke in your praise
Kenning you a godchild of the Moon and the West Wind
With power to tame both real and imaginary monsters,
Likening your poise of being to an upland county,
Here green on purpose, there pure blue for luck.

Loud though it was, alone as it certainly found me,
It reconstructed a day of peculiar silence
When a sneeze could be heard a mile off, and had me walking
On a headland of lava beside you, the occasion as ageless
As the stare of any rose, your presence exactly
So once, so valuable, so very now.

This, moreover, at an hour when only too often
A smirking devil annoys me in beautiful English,
Predicting a world where every sacred location
Is a sand-buried site all cultured Texans do,
Misinformed and thoroughly fleeced by their guides,
And gentle hearts are extinct like Hegelian Bishops.

Grateful, I slept till a morning that would not say
How much it believed of what I said the storm had said
But quietly drew my attention to what had been done
– So many cubic metres the more in my cistern
Against a leonine summer — putting first things first:
Thousands have lived without love, not one without water.

W. H. Auden



Primeiro as Prioridades


Acordado, nos braços de meu calor mesmo ouvia
a tempestade apreciando sua tempestuosidade no breu do inverno,
Até meu ouvido, semi-adormecido ou semi-sóbrio,
Pôr-se a rejuntar esse tumulto exclamativo
Erguendo suas arejadas vogais e úmidas consoantes
Em uma fala de amor que apontava para um Nome Próprio.

Dificilmente a língua que teria escolhido, ainda assim, tanto
Quanto a aspereza e a inépcia permitiam, falava em teu louvor
Reconhecendo-te afilhada da Lua e do Vento Oeste,
Com o poder de domar tanto monstros reais quanto imaginários,
Apreciando teu aprumo de estar num município serrano,
Aqui verde de propósito, ali azul por puro acaso.

Ruidosa como era, sozinho como, de certo, me encontrou
Reconstruiu um dia de peculiar silêncio
Em que um espirro se escutaria a uma milha, e então eu caminho
Numa península de lava a teu lado, a ocasião tão atemporal
Quanto a contemplação de qualquer rosa, tua presença exata
Tão única, tão valiosa, tão aqui e agora.

Isso, ademais, numa hora em que um tanto em recorrência
Um diabo afetado me perturbava em belo inglês,
Predizendo um mundo em que cada sítio sagrado
É  lugar sepulto sob areia como fazem os texanos cultos,
Desinformados e bastante extorquidos por seus guias,
E brandos corações são extintos como bispos hegelianos.

Agradecido, teria dormido até uma manhã que não diria
No quanto cria do que eu disse que a tempestade dissera
Mas aos poucos chamaria minha atenção para o que acontecera
—Uns tantos metros cúbicos a mais em minha cisterna
contra um verão leonino—propondo primeiro as prioridades:
Milhares viveram sem amor, ninguém sem água.







Nota – reza a anedota que o magnífico último verso deste poema foi ouvido, por Auden, dito por uma prostituta, num presídio de Nova York, quando em fila os prisioneiros eram levados para o banho. Na segunda estrofe, verso 3, o único trecho em que se dá a revelar, na tradução, o sexo da pessoa amada, transponho para o feminino por pura opção pessoal – quando se sabe da assumida e aberta homossexualidade de Auden. Talvez porque poemas de amor não tenham gênero, no fim de tudo. [Esta postagem foi feita em uma lan house, imaginem, na Taíba!]


* * *

2 comentários:

  1. Ruy, lendo agora essa sua nota ao poema, quem sabe se você publicasse além do original e sua respectiva tradução, também os recursos utilizados, os expedientes de que se serviu bem como certas curiosidades (mas isto não seria já nosso ofício?), apesar da pressa na lans?

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  2. Ruy,,

    adoro o Auden. Ia justamente comentar a grandiosidade desse último verso, quando o li na nota.

    abraço.

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