domingo, 10 de maio de 2009

Energúmenos mentecaptos


[s/i/c]



Gastos atestados de província

Hoje, no Diário se indaga: por que não se promove uma Virada Cultural nos moldes da de São Paulo cá em Fortaleza? E a contra-pergunta que não quer calar: por que se deveria? Por que tem de ser assim? Esse sentido de cópia? Uma cidade forte exporta ideias e absorve tão-só as que se endentam em sua própria história ou vocações. Indo no mesmo rumo, basta lembrar que quando Eduardo Coutinho lançou seu Edifício Master, imediatamente pipocaram reportagens nos diários locais sobre velhos condomínios residenciais do Centro, como o Jalcy. [A questão é que os Jalcys já estavam lá há anos e ninguém dava a mínima para eles, a não ser depois de um documentário de Coutinho, que fez algum sucesso: por que ninguém teve a ideia de tomá-los como assunto antes?]. Idem quando as posturas municipais de São Paulo ameaçaram tornar-se mais rígidas diante desse desgoverno que é a poluição visual nas grandes metrópoles brasileiras. Será que os gestores e formadores de opinião em Fortaleza são incapazes de ter ideias próprias? [Seria isso prerrogativa de Lerneres e de Curitibas?]. E quando me refiro a isso, estou longe de apontar apenas para os poderes constituídos—a prefeitura, a câmara, o judiciário—mas também para os formadores de opinião, os dirigentes de ONG's, os urbanistas, a academia—ainda que boa parte dos quadros da atual prefeitura seja conformado por ela—, os intelectuais, as pastorais, as associações comunitárias, os Clubes de Diretores Lojistas, as Fiec's, as OAB's... Qualquer iniciativa, verdadeiramente marcada por certo empenho em INOVAR [a partir de realidades locais], ao menos seria lucro diante da ociosa discussão acerca de se criar uma “marca” para o Ceará. Uma que atestasse uma sorte de afirmação da “cearensidade”, como, de resto, se discute bizarramente no O Povo também de hoje. Por que não definir prioridades. Selecionar melhor o que debater, inclusive na imprensa? Para não se ficar com essas pautas que indicam discussões análogas à de quantos anjos cabem na cabeça de um alfinete.

Tudo isso somado, faz lembrar uma expressão mais exaltada de Graciliano Ramos em Memórias do Cárcere acerca da boçalidade das autoridades que monitoravam os aparelhos de repressão à era Vargas: “energúmenos mentecaptos”.






Nota - para uma breve conversa sobre a questão da "cearensidade", da "identidade cearense" , ou de tentativas de forjar 'auto-estimas' e lorotas outras do gênero, AQUI. E com comentários de Diatahy Bezerra de Menezes e Augusto César Costa.]



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3 comentários:

  1. grato, victor, o linque já está lá!

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  2. Carta aberta a Ruy Vasconcellos

    Meu caro amigo Ruy,

    Bem ponderada tua intervenção sobre replicar em Fortaleza a "Virada Cultural" de São Paulo.

    Faz falta a proatividade cultural de uma "Padaria Espiritual". O Ceará tem relação estreita com a literatura. Precisa acreditar mais nisso. Carlos Emílio Correia Lima, um tremendo agitador cultural, com foco na literatura, depois da revista O Saco, do movimento Siriará, e de um "exílio" no Rio de Janeiro, volta na segunda metade dos anos de 1990 e replica uma ação literária que fazia no meio sudestino: as rodas de poesia. Com elas, sobre o palco sob a passarela, Espaço Rogaciano Leite Filho, num período de uns três anos (incluindo o da virada do milênio, um século depois da Padaria Espiritual), mobilizou todos os sábados, em saraus de duas horas, poetas, poetisas e um público bastante considerável. Uma quantidade surpreendente de pessoas interessadas em poesia, muitas delas se dizendo até escritoras, a maioria, sabemos nós, fogo de palha, mas o movimento saldou com o surgimento de uma geração promissora de literatos. Uma pena ter acabado essa programação gratuita no Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura. Pena maior a quase total dispersão depois disso.

    (O Ceará é berço de bons poetas, Antônio Sales, Cruz Filho, Arthur Eduardo Benevides, Francélio Figueredo... E não podemos esquecer e nem deixar esquecer nosso poeta maior, um poeta da língua portuguesa, um poeta universal: José Albano.)

    Quanto a prosa, notadamente o conto, um outro benquerer cearense (lembremos de Raimundo Magalhães, Raimundo Magalhães Jr., Gustavo Barroso, Alberto Santiago Galeno, Moreira Campos, Tércia Montenegro, Pedro Salgueiro...), imagino uma dia e um lugar e um movimento para esplendê-la: o 1º de Abril, a praça do Ferreira, exatamente sob o Cajueiro da Mentira, e sessões de leitura ou contação de histórias. Com os devidos trato de mídia e organização do evento, esse dia poderá vir a ser algo bem maior do que uma “Virada Cultural” à paulista.

    Um abraço deste teu reverente amigo,

    Kelsen Bravos

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