[s/i/c]
Cântico Pós-Espiritual
Oh, Senhor, triplicai o saldo em meu extrato,
senão eu me mato.
Oh, Altíssimo, que eu compre aquela casa no condomínio,
senão entro em declínio.
Oh, meu Deus, fazei com que aquela modelo me dê bola,
senão cafungo dez carreiras pra cachola.
Oh, Senhor, facilitai a aquisição daquela coleção de vinil,
caso contrário cantarei amor febril.
Oh, Altíssimo, dilatai minhas aéreas milhas,
senão passarei as férias de rodilhas.
Oh, meu Deus, possibilitai o convite para aquele congresso,
senão entro em recesso.
Oh, Senhor, aumentai, na razão de mil, a frequência a meu blogue,
senão viro buldogue.
Oh, Altíssimo, franqueai aquela franquia,
senão, vos digo, serei pura misantropia.
Oh, meu Deus, estampai a minha foto na revista
para poder pagar a otorrinolaringologista.
Oh, Senhor, aviai aquela viagem à Europa,
porque todos já foram, menos eu, da minha tropa.
Oh, Altíssimo, providenciai aquele pós-doutorado em Nova York
antes que eu desta para a melhor emborque.
Oh, meu Deus, tornai rentável minha ONG,
do contrário, vou ficar de mal com você.
Oh, Senhor, tirai dos bolsos dos fiéis mais reais
para que eu não precise me acalmar com esses florais.
Oh, Altíssimo, apressai a herança daquela tia velha, a infeliz
para que eu possa gastar os tubos em Paris.
Oh, meu Deus, renovai meu guarda-roupa com as melhores grifes,
do contrário, com ninguém dividirei meus bifes.
Oh, Senhor, estimai a possibilidade daquela gerência no Sul,
senão acabo virando um pit-bull.
Oh, Altíssimo, fazei com que a campanha saia ao gosto do freguês
para que eu não tenha de refundi-la uma, duas, três...
Oh, meu Deus, que ao menos possa adquirir uma prateleira de Viagra,
senão a existência se estraga.
Oh, Senhor, dai-me meio centímetro a mais de músculo na panturrilha,
para que eu não caia no ciclo insolúvel da quadrilha.
Oh, Altíssimo, financiai em quarenta e oito vezes a compra daquela Hilux,
do contrário, não direi: "fiat lux!"
Oh, Todo-Poderoso, desculpai a modéstia dessas pretensões espirituais,
e, no entanto, lembrai, Senhor: amanhã tem mais!
* * *
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