quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Talvez de manhã andando num ar de vidro: Montale


s/i/c




'Forse un mattino andando in un'aria di vetro'

Forse un mattino andando in un'aria di vetro,
arida, rivolgendomi vedró compirsi il miracolo:
il nulla alle mie spalle, il vuoto dietro
di me, con un terrore di ubriaco.

Poi come s'uno schermo, s'accamperanno di gitto
alberi case colli per l'inganno consueto.
Ma sarà troppo tardi; ed io me n'andró zitto
tra gli uomini che non si voltano, col mio segreto.

Eugenio Montale



'Talvez de manhã andando num ar de vidro'

Talvez de manhã andando num ar de vidro,
árido, me virando verei cumprir-se o milagre:
o nada às minhas costas, o vácuo anidro
de mim, com um terror de vinagre.

Depois, como se numa tela, se ajuntarão num jato
árvores, casas, montes, para o engano ledo.
Mas será tarde demais; e eu seguirei em hiato
por entre homens que não se voltam, com meu segredo.



Nota - talvez o poema mais conhecido, traduzido e antologizado de Montale. Há um ensaio de Italo Calvino cujo centro tonal é este poema. Várias versões dele em português foram feitas. Esta mantém toda a estrutura das rimas. Perde-se um pouquinho de sentido em três passos:
i. "anidro", quando na verdade uma tradução mais literal iria por "o vácuo detrás". [que, de resto, é a reiteração da sentença anterior, "o nada às minhas costas"]. Mas "anidro" também repassa uma idéia de ausência. E ausência é uma idéia importante na economia do poema.
ii. "vinagre" [v.4, 1ª est.]. Aqui o sentido original seria "com o terror de embriagado" [de bêbado, de ébrio, etc. Um delírio tremens?]. "Vinagre", aqui usado como adjetivo, repassa um pouco essa passagem do ponto que é peculiar ao estado da embriaguez. Como se passássemos do vinho ao vinagre. Da essência à saturação. Embora, aqui, a imagem seja mais forte.
iii."ledo" [v.2, 2ª est.], quando o sentido literal aqui é "costumeiro", "habitual", "de uso", etc. Ledo, no entanto, quase não é usado na acepção de alegre, hoje em dia, coloquialmente. Senão na expressão "ledo engano"= "doce ilusão", "suave engano". A expressão aponta para um caída de algo extraordinário para algo mais prosaico, costumeiro. Uma frustraçao e queda para o rotineiro, o ordinário, o não excepcional. Daí a escolha de "ledo". //É tão automático que se pense no inverno quando se lê este poema. Ele tem a cara de um dia de blizzard [nevasca] durante um rigoroso inverno, quando tudo parece ser filtrado pela transparência e a frieza do vidro.

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