quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Névoas de finos ossos movem-se no rio: Bobrowski


Gerhard Richter, Shadow Picture II, 1968


Terra das Sombras


As vozes farfalhadas,
folhas, aves, vim
por três estradas
antes da grande nevasca.
Nas encostas, nodos e praganas
com seus anéis, Ragana com seus cães
gritou para o barqueiro, ele deteve-se
na água, corrente a meio.

Uma vez,
seguindo a névoa
através da valeira com asas ouro,
a betarda voava, eles pisam
a grama com pés calosos,
luz, o dia voando atrás de si.

Frio. Na ponta da folha de capim
o vazio, branco,
chegando ao céu. Mas a velha
árvore, há solo

firme, névoas de finos
ossos movem-se no rio.

Escuridão, quem quer que viva aqui
fala com voz de pássaros.
Lanternas planavam
sobre os matos.
Nenhum fôlego moveu-as.

Johannes Bobrowski



Nota - esta versão de Bobrowski é uma das poucas que fiz que rompe com o interdito de Benjamin [de que é vedado a tradução da tradução]. Foi feita a partir da versão de Ruth e Matthew Mead para o inglês. O poema literalmente saltou à minha vista quando lia uma coletânea de poetas da Europa Centro-Oriental, alguns anos atrás. E por essas imagens fortes onde se misturam sombras, névoa, aves e um rio com aspecto de Lethe. Uma sorte de rigoroso inverno que parece recortar-se da paisagem para a alma. Um cromo lituano. Há uma visualidade sugerida a partir de elementos concretos que semelha os procedimentos do melhor cinema realista: "revelar o invisível sem violar a visibilidade das coisas". Notem que não há abstrações no poema (palavras como "esperança" ou "tristeza), tudo são coisas. É mundo exterior. É concreto. E, no entanto essas coisas geram uma... abstração. Uma imagem na mente. É certa altissonância gótica, sombria da peça o que impressiona. O idioma original de Bobrowski é o alemão. O poeta viveu no que foi a antiga Alemanha Oriental, depois de passar algum tempo preso na ex-União Soviética. A coletânea [Contemporary East European Poetry, editada por Emery George, em 1993] não registra o espelho dos originais. Uma vez que não há tanta música na versão para o inglês, e fiz questão de infestar o poema de eufonias em português, como imagino, pressinto - ou ao menos desejo - que ele assim seja no original em alemão, penso nesse poema como "meu". Ao menos do mesmo modo como Lowell assumia como poemas "seus" suas traduções de Leopardi, Rimbaud e tantos outros, reunidas no belíssimo volume Imitations [1961]. Certamente nem todos os leitores vão entender isto. Vão dizer: "é um plágio!". Alguns leitores-tradutores, do contrário, sabem exatamente do que falo.



2 comentários:

  1. de tradução e poema não entendo p.n. mas é incrível o poder de sugestão e visualização de imagens e sons(até mais do que imagens) a partir da junção de poucas palavras.

    Escuridão, quem quer que viva aqui
    fala com voz de passáros.
    Lanternas planavam sobre os matos.
    Nenhum fôlego moveu-as.

    a mistura de sensações pulsa forte.
    putz, muito bom, mesmo.

    abraço,
    Gabriel.

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  2. e aí, velho,

    de malas protas para a espanha?

    que inveja!

    abs.

    ruy

    p.s. - mas num esqueça, se tudo correr e a fortaleza bela deixar, temos trabalho qdo. v. chegar.

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