segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

As formas da história: Pound


[s/i/c]



PROVINCIA DESERTA


At Rochecoart,
Where the hills part
In three ways,
And tree valleys, full of winding roads,
Fork out to south and north,
There is a place of trees… grey with lichen.
I have walked there
thinking of old days.

At Chalais
is a pleached arbour:
Old pensioners and protected women
Have a right there
it is charity.
I have crept over old rafters,
peering down
Over the Dronne,
over a stream full of lilies.
Eastward the road lies,
Aubeterre is eastward,
With garrulous old man at the inn.
I know the roads in that place:
Mareuil to the north-east,
La Tour,
There are three keeps near Mareuil,
And an old woman,
glad to hear Arnaut,
Glad to lend one dry clothing.

I have walked
into Perigod,


I have seen the torch-flames, high leaping,


Painting the front of that church;


Heard, under the dark, whirling laughter.


I have looked back over the stream


and see the high building,


Seen the long minarets, the white shafts.


I have gone in Ribeyrac


and in Sarlat,


I have climbed rickety stairs, heard talk of Croy,


Walked over En Bertran’s old layout,


Have seen Narbonne, and Cahors and Chalus,


Have seen Excideuil, carefully fashioned.


I have said:
‘Here such a one walked.
Here Coeur de Lion was slain.
Here was good singing.
Here one man hastened his step.
Level with sunset,
have seen the copper come down
tingeing the mountains,
I have seen the fields, pale, clear as an emerald,
Sharp peaks, high spurs, distant castles.
I have said: ‘The old roads have lain here.
Men have gone by such and such valleys
Where the great halls were closer together.’
I have seen Foix on its rock, seen Toulouse, and
Arles greatly altered,
I have seen the ruined ‘Dorata’.
I have said:
‘Riquier! Guido!’
I have thought of the second Troy,
Some little prized place in Auvergnat:
Two men tossing a coin, one keeping a castle,
One set on the highway to sing.
He sang a woman.
Auvergne rose to the song:
The Dauphin backed him.
‘The castle to Austors!’
‘Piere kept the singing
A fair man and a plesant.’
He won the lady,
Stole her away for himself, kept her against armed force:
So ends that story.
That age is gone;
I have walked over these roads;
I have thought of them living.


Ezra Pound



PROVINCIA DESERTA


Em Rochecoart,
Onde colinas repartem
três caminhos,
E três vales, plenos de sinuosas estradas,
Divisa para sul e norte,
Há um lugar de árvores... cinzas de líquen.
Caminhei ali
Pensando em dias idos.

Em Chalais
há um enleado caramanchão:
velhos pensionistas e mulheres protegidas
ali têm direito —
é caridade.
Deslizei sobre velhas vigas,
espreitando
Sobre o Dronne,
Sobre uma correnteza cheia de lírios,
A estrada deita rumo leste,
Aubeterre fica a leste,
Com velhos loquazes no albergue.
Conheço os caminhos naquele lugar:
Mareuil a nordeste,
La Tour,
Há três castros junto a Mareuil,
E uma velha contente de ouvir Arnaut.
Contente de emprestar roupas secas.

Andei até
Perigod,


Vi chama de tochas luzindo altivas,


Repintando a fachada daquela igreja;


Ouvi, na treva, volteados risos.


Votei a olhar a corrente


e vi os altos edifícios,


Vi os minaretes longos, as chaminés brancas.


Estive em Ribeyrac,


e em Sarlat,


Galguei frágeis escadas, ouvi falar de Croy,


Andei pela velha planta de En Bertran,


Vi Narbonne, e Cahors e Charlus,


Vi Excideuil, cuidadosamente estilizada.

Disse:
‘Aqui aquele tal passou.
Aqui Coração de Leão foi trucidado.
Aqui cantava-se bem.
Aqui certo homem apressou o passo.
Nivelado ao ocaso,
Vi o cobre descer
tingindo os montes,
Vi campos pálidos, claros como esmeralda,
Cumes agudos, altas esporas, castelos distantes.
Disse: ‘As velhas estradas deitaram-se aqui.
Homens transpuseram tais e tais vales
Aonde os grandes paços eram mais próximos.’

Vi Foix, em seu rochedo, vi Toulouse, e
Arles bastante modificadas
Vi a arruinada ‘Dorata’.
E disse:
‘Riquier! Guido!’
E pensei na segunda Tróia,
Algum lugar aprazível em Auvergnat:
Dois homens lançando uma moeda, outro zelando um castelo,
Um terceiro cantando na estrada.
Cantando uma mulher.
Auvergne ergueu-se com seu canto:
O Delfim o apoiava.
‘O castelo para Austors!’
‘Peire prosseguiu cantando —
Um belo homem e agradável.’
Ele conquistou a dama,
Roubou-a para si, manteve-a contra a força de armas:
Assim finda essa história.
Esse tempo passou;
Caminhei por essas trilhas;
Pensei nelas redivivas.





Nota - tradução originalmente publicada na revista Zunái, em 2006. O título do poema, no original está em toscano - ou seja, em italiano arcaico. Daí a semelhança com o português.

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