sábado, 3 de janeiro de 2009

Para teu maior fastio: Donne


Retrato de Donne por um anônimo, circa 1610




Song

Sweetest love, I do not go,
For weariness of thee,
Nor in hope the world can show
A fitter love for me;
But since that I
Must die at last, 'tis best
To use myself in jest
Thus by feign'd deaths to die.

Yesternight the sun went hence,
And yet is here today;
He hath no desire nor sense,
Nor half so short a way:
Then fear not me,
But believe that I shall make
Speedier journeys, since I take
More wings and spurs than he.

O how feeble is man's power,
That if good fortune fall,
Cannot add another hour,
Nor a lost hour recall!
But come bad chance,
And we join to'it our strength,
And we teach it art and length,
Itself o'er us to'advance.

When thou sigh'st, thou sigh'st not wind,
But sigh'st my soul away;
When thou weep'st, unkindly kind,
My life's blood doth decay.
It cannot be
That thou lov'st me, as thou say'st,
If in thine my life thou waste,
That art the best of me.

Let not thy divining heart
Forethink me any ill;
Destiny may take thy part,
And may thy fears fulfil;
But think that we
Are but turn'd aside to sleep;
They who one another keep
Alive, ne'er parted be.



John Donne



Canção

Doce amor, já não me vou,
Para teu maior fastio,
E jamais o mundo mostrou
Um amor mais arredio;
Mas desde qu'eu
Devo morrer enfim, melhor
Ser gracejador
Do que fingir-se que já morreu.

Ontem à noite o sol foi longe,
Mas hoje cá está de novo;
Não possui desejo ou onde:
Nem meio-caminho por estorvo:
Não me temas, então,
Mas crê: posso ser mais veloz
Que o sol, pois trago nos cós
Mais asas e esporas de plantão.

Ah, quão tênue a força humana,
Que se chega a boa fortuna,
Nova hora não soma ou engana,
Nem uma hora ida coaduna.
Mas vem a má sorte,
E a ela juntamos nosso empenho
E a ensinamos arte e engenho,
E ela nos sobrepassa em porte.

Quando suspiras, não sopras brisa,
Mas sopras longe minh'alma;
Quando choras, incisiva sisa,
Os meus pulsos não acalmas.
Não é verdade
Que me amas, como dizes,
Se pulsa em ti minhas cicatrizes,
És minha suma felicidade.

Que em teu coração divino, não
Me desejes qualquer querela;
Destino pode assumir tua mão,
E dar a paga de tua cautela;
Mas pensa que nós
Estamos como na cama, em união,
E aqueles que um ao outro zelam
Nunca estiveram sós.






Nota – ufa! este poema de Donne fecha um ciclo de grandes poemas postados no primeiro dia do ano e que pretendem homenagear a poesia composta nos principais idiomas da Europa Ocidental: um em italiano (Dante); um em francês (Baudelaire); um em espanhol (Garcilaso); e um em alemão (Celan). Se houvesse de pôr um em português escolheria entre António Ferreira ou o próprio Camões. [qualquer grande poeta do Quinhentos - Sá de Miranda, Bernardim Ribeiro, Gil Vicente, Diogo do Couto et alli - é melhor do que tudo já produzido em poesia no Brasil por larga metragem. Goleada. Não há português mais refinado, elegante, infiltrado de idéias por todos os lados do que nesse quadrante - à exceção, talvez, de alguns trovadores do medievo: D. Diniz, Pero Meogo ou Martim Codax, fundamentalmente. Além desses: Vieira e Pessoa. Ponto.]. Mas ficou faltando, portanto, para completar a série de início de ano, um grande poeta de língua inglesa - justo a especialidade da casa. Não falta mais, segue acima. A tradução, por ironia, talvez seja a menos convincente de todo conjunto. [ao contrário, por exemplo, da tradução do poema de Hardy [AQUI] – que está redonda, que funciona com autonomia em português, penso, como o bater de um relógio: precisa. Me avisem se acharem que não]. Entendo ser tarefa bem espinhosa traduzir Donne. Certa feita conversava com um poeta em São Paulo, bom poeta, bom tradutor, e ouvi dele que achava fácil traduzir Donne. Deve haver dito isto para me impressionar. Afinal, eu era o mais jovem da dupla em conversa e tinha portado comigo alguns livros para ele autografar. Porém, quando ele disse isso, mantive o rosto impassível, como se nada tivesse se alterado. Na verdade, ele não só não impressionou, como caiu um pouquinho – mas só um pouquinho – em meu conceito. Não é nada, nada fácil traduzir Donne. E devo reconhecer o quanto me frustra a tradução acima. Ainda assim, foi o máximo que consegui até aqui com este poema - que é um dos meus favoritos deste monstro sagrado na maturidade, profano na juventude. Um mestre absoluto. Talvez em termos de mestria técnica, em tempos mais recentes, só um poeta e um só se aproxima da destreza de Donne: Gerard Manley Hopkins [mas este ainda não me atrevi a bolir com]. E quem disser que este é fácil de traduzir deve jogar pedras na lua, lotear terras numa lagoa ou andar atrás de colher cajus numa pitangueira. Tudo que vi traduzido de Hopkins para o português, em Portugal e no Brasil, é café pequeníssimo diante do original. Com Donne, chegamos também à marca de 100 poetas traduzidos. Predominantemente do inglês, mas também de outros quatro idiomas.


Um comentário:

  1. Eita..
    Sou intercambista na California e a professora pediu para estudarmos esse poema. Isso em Ingles para seniors! Eu entendi em ingles, nao vou negar, mas nao ha nada melhor do que ler na lingua materna e entender os pequenos detalhes que ficaram perdidos em minha traducao. Muito obrigado mesmo!

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