segunda-feira, 11 de maio de 2009

Mas onde as neves de antanho: a célebre balada de Villon


François Villon em gravura do sec. XVI


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Ballade (des dames de temps jadis)

Dictes moy ou, n'en quel pays,
Est Flora la belle Rommaine,
Archipiades ne Thaïs,
Qui fut sa cousine germaine,
Echo parlant quant bruyt on maine
Dessus riviere ou sus estan,
Qui beaulté ot trop plus q'humaine.
Mais ou sont les neiges d'antan?
Ou est la tres sage Helloïs,
Pour qui chastré fut et puis moyne
Pierre Esbaillart a Saint Denis?
Pour son amour ot ceste essoyne.
Semblablement, ou est la royne
Qui commanda que Buridan
Fust geté en ung sac en Saine?
Mais ou sont les neiges d'antan?
La royne Blanche comme lis
Qui chantoit a voix de seraine,
Berte au grand pié, Beatris, Alis,
Haremburgis qui tint le Maine,
Et Jehanne la bonne Lorraine
Qu'Englois brulerent a Rouan;
Ou sont ilz, ou, Vierge souvraine?
Mais ou sont les neiges d'antan?
Prince, n'enquerez de sepmaine
Ou elles sont, ne de cest an,
Qu'a ce reffrain ne vous remaine:
Mais ou sont les neiges d'antan?

François Villon (1431-c.1463)


Balada (das Damas dos Tempos Idos)

Digam-me em que país
vive Flora, a bela romana,
Alcebíada ou Taís,
suas primas de estirpe louçana,
Eco, que nos replicava a gana,
Pelos ribeiros e banhos,
Com sua beleza sobre-humana?
Mas onde estão as neves de antanho?
Onde a mui sábia Heloísa,
Por quem Abelardo foi capado
Para ganhar de frei a divisa
Por amor a ela destinado?
E onde, rogo-vos, o fim levado
Pela rainha que ordenou o último apanho
De Buridan num saco ao Sena despejado?
Mas onde estão as neves de antanho?
E Branca, a rainha, de pele flor-de-lis,
Que cantava com voz de sereia,
Berta de finos pés, Alice, Beatriz,
Ermengarda, do Maine a herdeira,
E Joana, que os ingleses na fogueira
Em Ruão, findaram-lhe o assanho;
Mãe de Deus, onde delas a soleira?
Mas onde estão as neves de antanho?
Alteza, na semana, não demandeis onde vaga
cada uma, nem num ano, que não ganho,
Pois só esse refrão vos servirá de paga:
Mas onde estão as neves de antanho?

Nota – François Villon é o maior poeta francês do final da Idade Média. Na tradição dos goliardos, foi também, como se poderia definir hoje, um sujeito “barra pesada”. Comandava uma gangue de ladrões que apavorava os subúrbios de Paris. Sua poesia, no entanto, é marcada por uma humanidade e um lirismo tão puros e espontâneos, que ele era um dos poetas preferidos de ninguém menos que Simone Weil. À sua vez, poetas malditos, como Baudelaire e Rimbaud, o entreviam como uma sorte de precursor. Aos 32 anos ele deixou Paris para trás. Sem deixar rastos, fugindo de uma condenação á forca. E nunca mais se soube dele. Em inglês foi vertido por poetas importantes, tais como Dante Gabriel Rossetti, Swinburne, Ezra Pound e Robert Lowell. Este poema é um de seus mais conhecidos, e foi traduzido amplamente em português. Entre as versões, há uma de Augusto de Campos, que li muitos anos atrás [“nas neves d'antanho”]. Quem também traduziu Villon foi o poeta pernambucano Sebastião Uchoa Leite, num livro editado para a Edusp, que cheguei a participar, como revisor. Não senti muito dificuldade em achar soluções para a 'Balada', quando a estava traduzindo, agora à noite. Também não compilei com a tradução de Augusto ou de Uchoa Leite. Por isso mesmo, desconfio que minha versão possa conter uma ou outra solução menos feliz. Ah, e preferi “de antanho” por “d'antanho”.



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