Umberto Boccioni, Dynamism of a Soccer Player, 1913.
Ceará 2x2 Corinthians
Não pensando propriamente em futebol, ontem, no abrir da noite, brincava com minha filha caçula. Ela atravessa aquela etapa em que está deixando de ser bebê. Já anda. Mas ainda não articula senão as palavras-chave. Ou seja, mamãe, papai, vovó, au-au, üí-üí, dê e boa.
Üí-üí responde por Vivi, o apelido da babá. Dê é verbo. Mas vem de deixar e não de dar. E boa não é adjetivo, senão o substantivo bola. É pronunciado com “o” aberto.
Outro entusiasmo é a água morna do banho. Se faço duas mini-Cataratas do Iguaçu com jarras plásticas, acha o máximo. E ainda pensa que pode agarrar a água entre as mãos.
É claro que ao dizer isso corro riscos. Entre eles, o de posar como apenas mais um daquela legião de pais melosos, bocós, siderados pelos filhos pequenos. Mas isso não me preocupa. Se você já tem filhos, não preciso dizer mais nada. Se ainda vai ter, aguarde. Quanto mais cético for, mais completamente será fisgado pelo charme deles.
Voltando à carga, comi um sanduíche de bacon. Nada de notável até aqui. Ou corrigindo: o rango foi pra lá de bom. Não foi feito ontem, no entanto. Ou depois do banho da bebê. Nem em casa. Foi feito num treiler de sucos e sandubas, ali em certa pracinha da Barão de Studart e na noite anterior a que vos falo.
Excelente, sim. Mas acho que me afetou. Estou em dúvida. Quer dizer, não entre se estou ou não enfermo. Mas entre a causa do desarranjo: o dito sanduíche noturno ou certo prato de sarrabulho com pimenta degustado no vão do mercado São Sebastião ao meridiano do mesmo dia. Vá lá, quiçá a combinação de ambos. O corolário desses arroubos culinários é que ando passando a água de coco. E então, desci para comprá-la, no boteco.
O boteco é um patrimônio da humanidade do bairro. Se chama Vegas, e fica na esquina da Monsenhor Bruno com Heráclito Graça. O Vegas está lá na esquina há mais de trinta anos. É um porto seguro. “Vai ver se estou lá no Vegas” é como já dizem alguns moradores da rua.
O Vegas é também local nosso de futebol. Torço quase sempre por quem está mais perto de casa. Não posso evitar. È assim. Embora este assim retenha um bocado de assado histórico por tempero. E conheça bem mais matizes do que é prudente expor aqui.
Agora, se joga um time do Nordeste contra um do Sul, torço pelo do Nordeste desde criancinha. Inclusive contra os meus times adotivos no Rio e em São Paulo.
Digo isso apesar de, na hora do pega, ter só um time: o glorioso Ferroviário – que, misteriosamente, lá na Barra famosa, está mais longe de casa do que os outros dois. E, no entanto, mais rente à minha vida. Meu avô paterno, que é responsável por um quarto dela, era almoxarife da Estrada de Ferro de Sobral e adepto, discreto, do glorioso tricolor.
Este avô era um homem reservado. Daquela turma à antiga que dizia cousa por coisa quando já ninguém dava mais grande coisa por cousa. O emprego dessa cousa, aliás, era uma de suas maiores extravagâncias junto com o hábito de ouvir dobrados, o de aspirar rapé, além do fato de ser almoxarife – palavra que os mais novos desconhecem. Em matéria de estilo, gosto de gente discreta. Meio como meu avô na vida ou Rivaldo no futebol. Seco. De palavras poucas. Sem nenhuma exuberância ou vocação para exibir a vida fora dos gramados. Jogando mais no campo que em entrevistas coletivas.
Rivaldo foi, de longe, o principal arquiteto de nossa última conquista em copas. Hoje quase não se fala mais dele. Mas, melhor, ele é daqui de pertinho. Rivaldo é do nosso rival: Pernambuco. È rival, sim, mas vizinho. Uma terra com história incandescente e bela bandeira. História que confina com a nossa, embora com mais fumos de grandeza.
É claro, como rivaldista, acho uma injustiça que as loas tenham pendido todas para Ronaldo. Mas este mundo não é lá dos mais justos. Ronaldo foi um grande artilheiro? Sem dúvida. Mas ao menos tão empenhado como marqueteiro. Rivaldo não. Sempre me pareceu mais interessado em bola, grama, e na arte de cultivar jogadas. Depois as cortinas se fecham. E nada muito se sabe de ou sobre Rivaldo. Melhor assim.
A mim, não me interessa se ele bate na mulher. Se é batido por ela. Se é um escroque. Se masca fumo nos bastidores ou dorme com travestis. Se prefere andar de camelo ou de dromedário. Se pole pedras nos rins ou se as joga na lua. Se assinou contratos em branco ou se gosta de jujubas. Se tudo isso é feito em consenso e não afeta seriamente nem a ele nem aos que estão à volta: problema dele.
Pois bem, mas voltemos a ontem à noite. As cortinas ainda não se haviam fechado, as virtudes não estavam ainda de todo negadas, quando eu seguia para a esquina. Não lembra? Pois lembre, antes que eu divague novamente.
Salvo engano, seguia para conferir se eu estava por lá. Aliás, não propriamente, mas para comprar os tais cocos, cujas águas iriam minorar o mal de minhas tripas.
Numa terça à noite, o Vegas costuma ser tranqüilo. Ontem, clima de copa do mundo. Só que com direito a torcida pelo adversário. Olhei o placar, sem óculos, cerca de um grau de miopia: 2x1, meados de segundo tempo. Ah, então, tá. Sabendo como são os times daqui, estava já certo que seria, no lucro, empate.
Voltei pra casa. Tinha algo a fazer.
Nenhum barulho denunciou a situação. Nenhum grito de gol avulso. Um silêncio de brisa no eucalipto percorria os cômodos. Confesso, desligo do mundo se estou fazendo algo. Um grande evento parecia brotar. Mas quando depois consultei a internet, não deu outra: empate.
Típico das equipes daqui. Negócio delas diante de um grande é não passar do empate. À frente no placar, entram em pânico. Miedo escénico, como dizem os de língua castellana. Mesmo se são mandantes. Meio gol de vantagem, todo mundo vira zaga. Até a mãe do treinador. @#%§+*@! Uma vitória do Ceará é que teria sido uma traição desse imenso mesmo.
É, eu teria gostado de ver o vovô deitar por terra um dos times que menos simpatizo.
Mas, do contrário, a vida é esta. É isto. É isto mesmo. E, antes que eu divague novamente, a noite seguiu mais fria. Sem quaisquer avos de água quebrada frieza.
As noites andam mais frias ultimamente. E o desarranjo, piorou com o empate? Espero que já esteja tudo bem.
ResponderExcluirBeijo
está tudo bem,ana. na linha de produção, outra vez. saúde!
ResponderExcluire v., curtindo o final das férias?
bjs.
ruy
é, curtindo o final de férias e um pouco ansiosa pro começo das aulas.
ResponderExcluirfaz parte.
beijo
Anna