Cedric Price, 1966
Quando se pensa no futuro, ele já bate em sua porta
As novas canetas estão aí. Há câmeras por toda parte. Outro dia, indo de ônibus para o centro da cidade, reparei num anúncio que informava aos passageiros da presença de uma câmera no veículo.
Na década de 70, isso seria inconcebível. A câmera era um elemento bem raro. Caro. E por que pôr uma câmera num ônibus àquelas alturas?
A câmera é a nova caneta. Nunca antes houve tanta possibilidade de registros. Também de controle. Pode-se ter uma câmera de vídeo na ponta de um minúsculo telefone móvel. Ou no seu quarto, em cima do computador. Hoje raras são as câmeras fotográficas que também não fazem vídeos.
Dentro em breve o mundo vai ficar mais rude para quem não souber gravar imagens, editá-las, distribuí-las. O olho olha para o olho. Qual deles? Pergunta capciosa.
Estamos num começo de século em que o olho vai se dilatar imensamente. E não por razões de cannabis. Por razões de comunicação, essa nossa obsessão.
Mas, se antes comunicação era sinônimo de palavra, hoje nos encontramos no ponto em que a palavra vai deixar de ser a cereja no bolo para ceder, de vez, a vez à imagem.
É claro que isso afetará tudo. Da arte de chutar tampinhas aos códigos jurídicos. Os códigos deixarão de ser escritos. Haverá teletribunais. Softwares de consciências. Sentenças eletrônicas. Penitenciárias virtuais. E, de resto, as tampinhas já estão em vias de extinção diante de um sem número de novas embalagens mais ecologicamente corretas. Qualquer dia desses, inventarão a embalagem virtual. Não sei como. Mas é justamente de onde menos se espera que brotam as surpresas que delineiam um futuro.
Por que deveríamos lamentar esses processos em si, se a humanidade sempre encontra um jeito de fissurar a norma, de achar graça? Graça, aqui, no sentido do wit. Da leveza e integridade do pensamento e da intuição. Quer dizer, cavar beleza nisso em que mentes apocalípticas entrevêem apenas derrotas – do humanismo, do paradigma Ocidental, da Razão, da Filosofia – de todas essas grandes palavras que nos tornam tão infelizes.
Não é de hoje que treinamos mais o olhar do que a mão, o ouvido, a fala, o olfato. É certo que esses outros sentidos, postos em desuso, vão se atrofiar e ser substituídos por sentidos que nem suspeitamos. Quer dizer, tudo que não depende da imagem encontra-se em baixa. Mas isso não chega a ser uma catástrofe. Apenas o começo de um admirável mundo novo. E nele, quem não educar o olhar para as astúcias da imagem, será analfabeto.
Uns poucos anos atrás, só produzia conhecimento quem tinha um contato ativo com as letras: escrevendo, depois de ler ou enquanto leitor. Da mesma forma, para o mundo que se inaugura, apenas os capazes de produzir imagem serão também capazes de lê-las, se esquivando, assim, de um futuro “analfabetismo”.
O começo disso vem quando se fala em exclusão digital. Ou seja, quem não sabe trazer para perto e manipular as imagens da internet, já está mal na foto.
Foi isso, então, o que aconteceu na segunda metade do séc. XX.
O homem não foi mais à Lua. Os carros não voam. Não são especialmente mais velozes. São quase os mesmos. As casas tão-só diminuíram de tamanho, se empilharam mais ou ora buscam novas matrizes energéticas. São quase as mesmas. Mas a mesma tecnologia que possibilitou às câmeras estar em toda parte, também entrou em casas e carros com os gadgets que, de fato, fazem a diferença e garantem o presente como o futuro do passado, em termos de evolução tecnológica.
O problema é que só uns poucos anos atrás pensávamos o futuro como um desdobramento do mundo mecânico. Não do mundo digital. E será assim. No futuro surgirão coisas do arco da velha. Coisas que não se prevê, que não se espera. Como a internet ou o avanço da tecnologia digital não era esperado ou os novos brinquedinhos que vieram à reboque.
Quase todos esses novos gadgets apelam para o olho. Olhe em volta a sua rua. Á exceção da verticalização dos edifícios e do aumento do tráfego, a rua até que não se modificou tanto. Não há cabines de teletransportagem. Ou cones do silêncio para se conversar na intimidade. Mas é certo que os telefones públicos desaparecerão. Assim como as caixas de coleta dos correios estão quase extintas.
Situações-chave na trama de filmes de quinze anos atrás parecem trivialíssimas hoje, porque poderiam ser sanadas com uns poucos toques num objeto tão portátil quanto um telefone de nossos dias. E até o telefone contemporâneo está repleto de imagens. Em virtualidade: bilhões delas. Veja bem, um telefone, anteriormente um aparelho para se falar e ouvir.
E o que segue diferente pelas ruas é a incomensurável possibilidade de registro e a proliferação da imagem sobre a superfície. Hoje você pode levar consigo uma pequena cinemateca num objeto menor do que uma caixa de fósforos.
Ou ainda melhor, pode não levar, levando. Podendo acessar de um local remoto. Eis o paradoxo do que chamamos virtual. Ou seja, algo que está presente não estando.
Einstein costumava dizer: “eu não penso no futuro, ele chega rápido demais”. Se pudéssemos voltar atrás e informar da possibilidade de um mundo virtual a alguém da década de 70, haveria apenas descrença. Por outro lado, naquele tempo, como antes no Metropolis de Lang, se sonhava com carros voadores e com colônias na Lua. E mesmo quando assistimos o 2001 de Kubrick ou um episódio dos Jetsons não se vê ninguém fazendo uso de um aparelho que, para nós, é dos mais banais: o telefone celular.
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