sexta-feira, 11 de julho de 2008

Pequeno desvio quase antropológico ou de senso-comum


José Carlos Meirelles, 2008


Da tribo desconhecida que não era

Algumas semanas atrás as fotos correram o mundo. Foram destaque nos jornais. Figuraram numa infinidade de capas. Correram mundo pela internet. A respectiva matéria que ilustrava esteve entre as mais lidas no Observer, no El País, numa pá de outros jornais de alcance global. 
Nelas, havia um grupo de nove indígenas, junto a duas cabanas, arcos retesos, mirando e arremessando setas para cima. Para o avião onde estava o fotógrafo. Os indígenas faziam parte de uma tribo isolada, que nunca havia tido qualquer contato com os cara-pálidas, e sobre a qual tudo era desconhecido. 
O assunto mexeu com a imaginação de meio-mundo: selvagens isolados no meio da remota Amazônia. Vivendo livres de impostos, contas, cadastros, controles, cpf’s. Os próprios bons selvagens de Rousseau. 
Mas tão-só alguns dias depois, descobriu-se que não era bem assim. Que já se dispunha de alguma informação sobre a tribo há quase um século. Embora, de fato e momento, eles vivessem isolados. 
Ao menos foi o que afirmou o próprio autor do logro, o antropólogo José Carlos Meirelles. Ele também assegurou que optou por falsear a informação como forma de chamar atenção para a necessidade de se garantir o direito ao isolamento dos povos que ainda não se encontram em contato regular com a civilização.

Duas coisas me chamaram a atenção nesse imbróglio todo. 
Primeiro, claro, a estranha forma de se preservar o direito das referidas tribos de não ser importunadas: divulgando o assunto e publicando as fotos nos principais jornais pelo planeta afora. Como quem diz: ‘vejam, estamos isolados, venham nos desisolar’. Mas ressalvo que nada entendo de políticas indígenas, embora entenda um pouquinho de senso-comum. E talvez um pouco de bom-senso. 
Segundo – e ainda mais aterrador – a seguinte frase de Meirelles: ‘Quando os vi pintados de vermelho, fiquei satisfeito, fiquei feliz, porque o tingimento de vermelho significa que eles estão prontos para a guerra, o que, para mim, quer dizer que eles estão felizes e saudáveis, defendendo seu território’. 
Quer dizer, já desde uma civilização arcana se pode relacionar a guerra como um fator inerente à condição humana. Ou indissociável dela. Eles reagiram como guerreiros, sinal de que estavam felizes, deduz o estudioso. 
Não sou antropólogo. Não sei o que significa índios tingidos de vermelho, ocre ou lilás. Não sou psicólogo, sacerdote ou xamã. Entendo muito pouco da condição humana. Sequer sei se ela existe. O que me chamou atenção, de resto, não foi a frase por si, sob a circunstância. Mas a naturalidade com que o antropólogo vinculou os sinais de bem-estar da tribo com sua capacidade de fazer a guerra. 
Espero apenas que ele esteja errado. Pois o que há de terrível, aqui, é concluir que nós humanos somos assim, precisados de guerra para nos sentirmos bem e felizes. Para levar a vida.

Ainda que a história pareça dar razão ao antropólogo.

Nota Posterior - em nota divulgada no El País (12/07/08) e assinada por Laura de Luis se reivindica que em nenhum momento Meirelles afirmou que a tribo era "desconhecida". E se atribui o equívoco ao jornal britânico The Observer


6 comentários:

  1. É, Ruy, também não entendo de muita coisa desse assunto, mas esse aspecto da guerra me chamou a atenção. Muito séria essa afirmação do antropólogo, assim, vincular bem-estar à guerra? Por mais que eu não entenda do assunto, não sei não... Guardo minhas dúvidas e, mais uma vez, gostei das suas observações.
    Um abraço desconhecido,

    Anna

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  2. olá, querida anna.

    vi suas fotos de mulher que saiu de climas temperados. há uma com lago e vivenda no alto da colina. a bela na bella italia{?} e também achei bacana v. gostar da ana cristina cesar.

    de onde v. é no sul? gaúcha? barriga verde?

    de fato, chama atenção, esse aspecto da guerra, anna, como v. já tinha percebido.

    obrigado por passar por aqui. e pelas fotos.

    abs. e bjs. conhecidos

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  3. Ruy,

    Eu não herdei a beleza genuína das gaúchas. Na verdade, sou cearense, de Fortaleza, infelizmente ou felizmente.
    A foto é na bella Itália sim, passei uns tempos por lá, mas não curti muito. Um dia eu conto essa história pra você.
    Passar por aqui é sempre muito bom, ainda mais agora que eu não me sinto tão intrusa.
    Obrigada pela receptividade.
    Mais beijos e abraços.

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  4. Oi, Ruy, Tudo bem?
    Já visitei seu blog várias vezes e queria tedar os parabéns. Não sei se o Carlos Augusto Lima te deu recado, estive aí em Fortaleza e pedi seu contato. Estamos fechando as próximas Coyote e gostaria de saber se você não tem poemas inéditos e/ou traduções para nos enviar. Daí eu coloco para o Ademir Assunção e o Losnak.
    Grande abraço
    Meu e-mail, rgarcialopes@gmail.com

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  5. Romantismo? Desatenção? Ou mero exibicionismo?
    Sei lá. Esta história é estranha, desde o princípio.

    Mudando de assunto, passei a tarde inteira lendo o seu blog, desde o início.
    Creio que vou ficar muito aqui, aprendendo.

    beijos

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  6. é, de fato, saramar, bem estranho!

    grato pelos comentários,

    bjs.

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