Afeganistão, meu Afeganistão afegão
Hoje vi na CNN comentários de um fotógrafo. Uma espécie de entrevista. Eram exibidas fotos feitas por ele no Afeganistão. Fotos em preto e branco. Fortemente contrastadas. Impecáveis, tecnicamente falando.
Em uma delas, um círculo de pessoas em torno de um imã extático. Em outra, um camponês controlando um camelo - ou seria um dromedário - sobrecarregado de forragem. Numa terceira, dois cavaleiros por uma rua adusta, ladeada por casas de pedra.
A atmosfera das fotos parecia com cenas de Indiana Jones. Todas as imagens me repassaram uma impressão semelhante à da leitura dos livros de Karl May: a de europeus espiando os recantos exóticos do mundo. A de ocidentais revolvendo o Curdistão bravio. Um exotismo que só deveria existir na ficção de Rudyard Kipling ou nos maliciosos clichês invertidos por Jorge Luis Borges.
Até que ponto é a diferença um elemento estimulante?
Quando deliberadamente ressaltada, a diferença é apenas uma impostura. Como aquelas fotos, de certa forma, são uma impostura. O olho que as tirou escolheu enquadrar tão-só o que lhe era mais conveniente. No sentido de saciar nossa compulsão pelo pitoresco. De reforçar alguns clichês.
Em larga medida, esse apego à superficialidade é o que ocorre em nossa academia. Não a dedicação ao pensamento. Mas o entusiasmo fácil, o deslumbre diante de um “referencial teórico” novinho da silva. Referencial que reluz tanto quanto o exotismo das paisagens afegãs aos nossos olhos órfãos de sinceridade. Olhos de quem precisa – precisa muito – ver sempre as paisagens alheias como pitorescas. Não como também nossas, no melhor sentido. Não como um mundo histórico, complexo, verdadeiramente globalizado. Mas apenas como um naco pitoresco do globo.
Essa necessidade de sancionar o último viés teórico da estranja faz muito sucesso também entre jornalistas. Em especial, entre os da Folha de São Paulo. Um colunista da edição online da Folha, recentemente, em visível cartada auto-promocional, defendeu a internacionalização da Amazônia .
É, em vez de cantar, “Brasil, meu Brasil brasileiro”; esforçamo-nos para dizer ou dizemos “Afeganistão, meu Afeganistão afegão”. E seguimos comprando gato por lebre, etc. O que está acontecendo no Afeganistão, no Iraque senão uma “internacionalização” unilateral decidida pelos Estados Unidos e apoiada, a contragosto, por alguns de seus aliados?
Um amigo me confidenciou que, na Inglaterra, certa feita, chegou a ir a uma festa em casa de uma família. A dona da casa, feminista empedernida e bastante zelosa das causas globais, tinha um diploma pendurado em sua sala-de-estar. O diploma, no qual se via as efígies de duas jandaias, dava conta de que ela protegia tantos acres da floresta, na Amazônia brasileira, ao ter comprado um bônus de uma determinada ong. Era um belo diploma, segundo ele, e as duas jandaiazinhas lhe despertaram uma enorme saudade de casa.
Tão logo soube que havia alguém do Brasil - e, ainda por cima, do sexo masculino - na casa, a ilustre dama de tudo fez para arrancar de meu amigo um mea-culpa pela situação da Amazônia. Por coincidência, poucos dias antes, esse tal amigo havia lido um artigo que dava conta de que, na Inglaterra, menos de 2% da cobertura vegetal original havia sido preservada. Quando fez menção a essa cifra, acabaram-se não só a cobrança mas até mesmo o assunto, que foi trocado por outros mais amenos: futebol, os anos 60, a pintura de Francis Bacon.
São esses preservacionistas - alguns deles vivendo nos cafundós da Inglaterra - com as bênçãos de alguns jornalistas da Folha, que desejam “internacionalizar” a Amazônia. Mesmo que o histórico deles não seja lá esses balaios.
sábado, 5 de julho de 2008
Internacionalizando a Amazônia, desconstruindo a aquarela
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