sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Alguma vida em 16mm

Damien Chazelle, Guy and Madeline on a Park Bench, 2009

Num banco de Praça
-O inesperado musical

Shadows (1959) de John Cassavetes é um marco do cinema independente americano. Toca em questões raciais tabus à época, possui uma exuberante trilha sonora composta por Charles Mingus e apresenta pontos de vista incomuns, para além de uma montagem não previsível. Passado meio-século, Guy and Madeline on a Park Bench, que foi lançado em 2010 – mas só este ano e após muitos festivais começa a despertar mais atenção – apresenta-se bem perto de um remake de Shadows: a fotografia em branco e preto e 16mm – quando hoje todo mundo grava com câmeras digitais – o recurso ao jazz, o casal multiracial, certa idoneida de montagem, um selo de artesanalidade a chancelar os fotogramas e a banda sonora. E, no entanto, é um filme do seu tempo e de méritos próprios, que merece ser destacado sobretudo por suas qualidades documentais na ficção. O diretor, Damien Chazelle, é um jovem baterista de jazz que aparece tocando fugazmente em alguns takes, pois boa parte da trilha sonora não orquestrada foi registrada durante a gravação das imagens. O filme transpira vida e compõe uma atmosfera sagaz e íntima, só encontrável a custo em grandes produções. Há uma enorme dignidade no rosto das mulheres. Não menos em seus corpos lançando-se à dança. Há muita alegria e alguma tristeza. Há casas conjugadas numa rua escura e um chiado bate-estaca provindo de um sedã. Parece que é música. Mas de um tipo diferente da que Guy aprecia. Há presenças de cidade: Boston e Nova York. A câmera treme feito vara verde em algumas cenas. Elena (Sandra Khin) é uma bela mulher de ascendência oriental e certa vocação para o alheamento. Guy (Jason Palmer), um trumpetista negro – mas ao contrário de Ben Carruthers em Shadows, ele de fato toca o instrumento. Madeline (Desirée Garcia) é uma jovem tímida e intensa, que gosta de música. Há uma cena no metrô, de encostar mãos, que poderia ocorrer em qualquer ônibus a caminho do Benfica. O filme começa com o rompimento do casal, num banco de parque durante o inverno. Há uma fantástica atmosfera de gigs e sapateados em apartamentos de estudantes e pequenos cafés. Guy and Madeline on a Park Bench é um dos mais inesperados musicais a que se pode assistir. E, de repente, as ruas são apenas ruas, os atores, apenas gente. Por que assomam bem menos "a serviço" de uma trama?


Segue o link do trailer:
http://www.youtube.com/watch?v=KJUzALdI--k


* * *  

2 comentários:

  1. você sabe onde encontro a trilha sonora?
    abraços e obrigada!

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  2. não faço ideia. há, no entanto, uma menção a um edição especial do dvd no site do filme:

    http://www.guyandmadeline.com/

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