domingo, 9 de novembro de 2008

O problema com tantos shoppings é justo o de não ter um Centro


Rua Floriano Peixoto, à década de 30 [Arquivo Nirez]


Ruas da cidade e uma beleza prospectável

Hoje passei parte desta manhã de domingo caminhando pelo Centro de Fortaleza. Parando para ver prédios, praças, velhos ornamentos, frisos, gradis, platibandas, estátuas, balcões e terraços.
Como o Centro é feio. A fealdade se veio grudando nele ao longo de décadas. Na esteira da propagação dos shopping-centers em bairros diversos. Principalmente a leste - a zona mais endinheirada. Como a classe média deixou de morar, frequentar, lanchar, estudar, trabalhar, ir ao cinema, fazer compras e cultivar a boêmia no Centro, ele foi relegado a um segundo plano de larga profundidade de campo.
Ainda testemunhei o final dessa época. Estudava no Colégio Cearense, o marista local - lamentavalemente fechado ano passado. E também no Ibeu, que funcionava em um velho casarão reformado, ali na Solón Pinheiro, próximo ao Parque da Criança.
Por então, meados dos 70, a Guilherme Rocha ainda era uma espécie de shopping-center a céu aberto. Um rua muito elegante. Com excelentes lojas de discos e boas livrarias. Ou o Excelsior, que ficava à esquina da Praça do Ferreira e parecia aqueles hotéis europeus do início do século. Inclusive com funcionários de libré, casquete e tudo mais que uma boa direção de arte exige. Era um pedaço do cinema na vida real. Como o Cine São Luiz, que, nas proximidades, ainda esplendia todos os cristais de seus lustres, o mármore luzidio do saguão. A novidade dos primeiros cartoons em matinês. Aquela atmosfera de cine-palacete que, durante anos, fez com que fosse, talvez, a sala de cinema mais requintada do país.
E, no entanto, no correr desses dias mesmos, com a inauguração do Center Um, na Aldeota, já estava lançada a senha do que viria depois. Os germes que iriam pôr no contraste esse estado de coisas respiradas na urbanidade zelada do Centro àquela altura do campeonato e da vida, em que Da Costa e Jorge Costa compunham a linha de ataque do Ceará Sporting.
De fato, o Centro de Fortaleza anda mais feio que nunca.
No entanto, visto de determinados ângulos há algo que ressalta. Pontos de vista buscados, restritos, tomados com a precisão de quem quer entrever o que não segue plenamente à vista numa primeira vista. Visto com a inexcedível vontade de desvendar as formas da história, nele se pode perceber, lá, bem longe, uma beleza que não se rende fácil. Que precisa ser achada. Mas quando é, revela-se com grande plenitude e efeito.
Como numa espécie de compensação agradecida.


2 comentários:

  1. Olá,

    O almoço de domingo essa semana na colônia cearense (que, por sinal, só conta com uma cearense, e só) se deu às voltas com uma conversa sobre Fortaleza. Sobre como Fortaleza não tem alma. Sobre como o maracatu de Fortaleza é triste e o de Recife é muito mais satisfeito de si. Sobre como a gente que mora em Fortaleza, a classe média, podia morar em Brasília ou São Paulo ou qualquer outro lugar - shopping center há em toda parte. Sobre como se bebe em Fortaleza de um jeito diferente de como se bebe em BH. Em BH, mesmo no boteco mais fajuto, que é o bom boteco, bebe-se com uma sensação de estar entre gente, de estar na cidade. Bebe-se por alegria. Em Fortaleza, bebe-se por desespero. E não falo das periferias. Falo da gente da zona leste, dos jovens da zona leste, que bebem por desespero. Há alguns símbolos grotescos em Fortaleza que parecem até invenção literária, aquele método modernista de pegar mitos do passado e jogá-los na contemporaneidade, para revelar nossa sujeira. Fortaleza é cheia disso. A memória, em Fortaleza, é sempre fantasmagoria. As Iracemas a cada esquina da noite. O Mucuripe, que, de porto de velas, passa a ser, no imaginário da cidade, boate pretensamente luxuosa e certamente luxuriosa, onde se bebe o desespero, apressadamente. Fortaleza já não é Fortaleza, no sentido de que é hoje qualquer cidade. As ruas perderam sentido. Todas as músicas da October Leaves, cujo disco deve sair no começo do ano que vem, finalmente, falam sobre isso, sobre Fortaleza ser fantasmagoria -talvez pelo fato de termos composto a maioria das músicas num estúdio na Praia de Iracema, perto do Edifício Jataí, lar de putas e fantasmas. Fortaleza que, pra gente, é Sundown City, "where all the dope you get is mixed with kisses". Que as músicas sejam em inglês é até uma ironia a mais.

    E, no entanto, amo Fortaleza. Não sei o que é isso.

    Abraço, Ruy

    p.s.: não sei se já disso, mas vc devia escrever um livro sobre Fortaleza. Não necessariamente de memórias.

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  2. olá, odorico,

    entendo exatamente essa enrascada. morremos de saudade de fortaleza apesar das mazelas e do escasso interesse pelo passado q. está por toda parte na cidade. e, mais, se estamos em pontos mais distantes do mapa, a saudade dói. e, olhe que, como v., também ñ nasci em fortaleza.

    qto. ao livro, a idéia é boa. mas também é bom fazer essa - com o perdão do termo - guerra de guerrilhas - pelos blogues da vida.

    um último aspecto são as letras em inglês. entenda, em tese ñ há nada de errado com elas. falo no plano pessoal. seria incapaz de escrever em inglês, pqe. talvez toda essa onda de aldeias mundializadas já me tenha pegue um pouquinho tarde. (aqui fala o senhor de meia-idade q. sou). mas, de outro modo, acho ótimo q. haja 'sundown city' como metáfora de uma cidade q. precisa de metáforas. q. precisa de mais conversa em torno de si, do q. foi, do q. tem sido, etc.

    abs.

    ruy

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