domingo, 16 de novembro de 2008

Poema e narração: Resnikoff


Ed Lissitzky, 1923



A Son with a Future

When he was four years old, he stood at the window during a
thunderstorm. His father, a tailor, sat on the table sewing.
He came up to his father and said, “I know what makes
thunder: two clouds knock together.”
When he was older, he recited well-known rants at parties.
They all said that he would be a lawyer.
At law school he won a prize for an essay. Afterwards, he
became the chum of an only son of rich people. They
were said to think the world of the young lawyer.
The Appellate Division considered the matter of his disbarment.
His relatives heard rumours of embezzlement.

When a boy, to keep himself at school, he had worked in a
drug store.
Now he turned to this half-forgotten work, among perfumes
and pungent drugs, quiet after the hubble-bubble of the
courts and the search in law books.
He had just enough money to buy a drug store in a side
street.
Influenza broke out. The old tailor was still keeping his shop
and sitting cross-legged on the table sewing, but he was
half-blind.
He, too, was taken sick. As he lay in bed he thought, “What a
lot of money doctors and druggists must be maiking; now
is my son’s chance.”
They did not tell him that his son was dead of influenza.

Charles Resnikoff


Um Menino de Futuro

Quando tinha quatro anos, ele restou à janela durante uma
tempestade. Seu pai, um alfaiate, sentado à máquina cosendo.
Ele acercou-se do pai e disse, “eu sei o que provoca o
trovão: duas nuvens se chocando”.
Quando mais crescido recitava velhas arengas nos encontros.
Todos diziam que seria um advogado.
Na Faculdade de Direito ganhou um prêmio por um ensaio. Após o que
tornou-se chapa de um filho único de gente rica. Disseram
que eles aprontaram umas boas para se firmarem como advogados.
A Corte de Apelação apreciou a matéria de sua interdição.
Os parentes ouviram rumores de peculato.

Quando garoto, para se manter na escola, tinha trabalhado
numa farmácia.
Agora ele retornava a seu emprego quase esquecido, entre perfumes
e tônicos acres, logo após o rufa-rufa das
cortes e as consultas aos códigos.
Ele tinha a conta exata de comprar uma farmácia numa
travessa.
A gripe espanhola deslanchou. o velho alfaite ainda mantinha sua loja
e sentava-se, pernas cruzadas á máquina de costura, mas estava
meio cego.
E também andava adoentado. Quando recolhido à noite pensava, “Que
dinheirama médicos e boticários devem estar fazendo; É a vez
do meu filho”.
Eles não lhe contaram que o menino morrera de gripe espanhola.



Nota - de resto, poemas assim, que ainda se atrevem a "contar uma história" - num momento em que se decretou que a arte de contar histórias já é coisa do passado - me remetem para certa ênfase - espécie de reaposta (ponho os travessões embora saiba que isso o desagrada) - de um poeta como Cláudio Neves. Isso se dá, no caso dele, ao reapropriar-se de certa assertiva de Cabral que indica uma redução. Qual seja, a redução que o termo poesia tem sofrido na direção de um lirismo visual e sinestésico, predominantemente amoroso ou de certo tom de diarismo íntimo. Ou o que Cabral chama mais desabusadamente, em entrevistas, de cantar a "dor de corno". Ora, está claro, como nos recorda Neves, via Cabral, que poesia se presta a muito mais que isso.

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