Vik Muniz, 2005
É sintomático que o tema da Bienal de São Paulo este ano haja sido o vazio. Mais um índice da falta de imaginação que percorre a arte. Ou do paroxismo a que se chegou no sentido de cercar a arte de discurso. De um discurso que se pretende sofisticado, mas, no fim, tão-só mantém em continuidade uma espécie de negatividade. Desejo de contestação que já passou do fígado e do abutre, e devora a si. Mastiga-se há décadas, mas não tem coragem de se engolir, porque, afinal, tem de restar como obra-aberta e não apontar para qualquer conclusão.
Mostrar o nada ao invés de algo não é algo propriamente novo. Lembra um tanto o conto da roupa nova do rei. Que é também um conto do vigário. Ou seja, toda a artimanha, o engodo se sustenta no discurso tecido pelos alfaiates canastrões. Estes teceram discursos, não artefactos. Hoje, infelizmente, essa é a indústria de muitos artistas: arranjar discursos, ser perito em debates. Pôr as prolixidades do discurso, do debate, do “conceito”, em precedência. E a obra que se dane. Pôr os prestígios do debate, com todos os seus ritos e litanias, adiante das mãos. Da habilidade das mãos. Dos calos do hábito. De seu suor. E foi assim que os pavilhões do edifício, cercado por curvas niemeyrianas ficaram como estavam: vazios. O nada em exposição.
O problema é que o nada já está em exposição a maior parte do ano. Por que perpetrá-lo durante uma amostra de arte? Parece que faltou um pouco de imaginação no caso. Melhor solução seria tomar emprestado uma parte do rico acervo do MASP. Ao menos teríamos algo para ver. Ou então, propor os próprios artistas em exposição discorrendo sobre seus "conceitos" e "preconceitos". Seria, no mínimo, cômico. Mais animado, menos fanfarrão. As soluções da escatologia e do nada já andam um tanto rotas. A hora é de fazer. Especialmente nas artes visuais, que tanto se têm rendido a concertos pueris. Instalações mais tolas e caras do que raras. Uma espécie de auto-complacência que se justifica, sobretudo, por uma interpretação semiótica empolada, que empresta sentido a tudo. E, logo, glorifica o nada.
Esse excesso de interpretação, esse culto à falta de conclusão, ao relativo, a tudo que não fecha, à obra aberta, ao inconcluso, à não-obra, à (des-)obra, à desconstrução, à indecibilidade, à dobra, à sombra, ao não etc. começa a revelar seu cansaço. E não é de hoje.
Por que não reproduzir em miniatura extrema tudo que estava proposto para ser exposto? Ao menos isso repassaria o atestado da mediocridade do momento atual. Ou poria entre aspas a sofisticação da interpretação semiótica que ronda a crítica de arte contemporânea. Seu esgotamento.
Para o nada e o vazio, pelos pavilhões do edifício da Bienal, já há os muitos dias do ano em que, de fato e de direito – como nos dias da atual bienal – nada ocorre por lá. A não ser a arquitetura de curvas e cálculos de Niemeyer. Com ou sem interpretações sofisticadas. Com ou sem intermináveis concílios teóricos a respeito.
E no meio de tudo isso se perdeu de vista algo que nem de longe é tão gratuito quanto o nada: a beleza.
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