domingo, 9 de novembro de 2008

Vê-la à luz do sol era testemunhar a morte do marxismo


Edward Hooper, Summer Evening, 1947


As histórias ao modo quase clássico de Brodkey


Em 1998, confesso, por puro aperto financeiro, topei traduzir um livro de contos chamado Quatro histórias ao modo quase clássico, para a Editora Imago, do Rio. O volume, uma antologia de contos de Harold Brodkey, o primeiro dele vertido para o português, versa sobre memória e sexualidade. E trata disso de modo ao mesmo tempo cru e profundamente lírico. Como dever ser. A aspiração de Brodkey - tornada realidade mais em pose e bons contos que num romance épico - era ser uma espécie de Proust de Manhattan, com pitadas de Scott-Fitzgerald. E, logo, suas frases são longuíssimas, difíceis de verter. Plenas de bem-humoradas (e também trágicas) hipérboles. Há uma descrição de um coito oral que se demora por umas onze páginas até o cara fazer a garota bela, mas imaculadamente frígida, gozar. Um tour-de-force. Confesso que me deu algum trabalho traduzir, à época. Fiquei um pouco ressentido. Mas hoje até que gosto do resultado. Nada como tempo para avaliar. Eis um pequeno trecho de um dos contos, em que o sempre autobiográfico Brodkey descreve Aura Perkins, sua musa, a garota mais cobiçada por toda uma comunidade universitária:

"Sua aparência era como uma força que acertava você. Verdade, as pessoas ao vê-la pela primeira vez quase sempre involuntariamente erguiam os braços como para esquivar-se do esplendor da aparição. Vê-la à luz do sol era testemunhar a morte do marxismo."


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