quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Duas versões para um impossível


Egon Schiele, 1915




Sonnet CXXX


My mistress' eyes are nothing like the sun;
Coral is far more red than her lips' red;
If snow be white, why then her breasts are dun;
If hairs be wires, black wires grow on her head.
I have seen roses damasked, red and white,
But no such roses see I in her cheeks;
And in some perfumes is there more delight
Than in the breath that from my mistress reeks.
I love to hear her speak, yet well I know
That music hath a far more pleasing sound;
I grant I never saw a goddess go;
My mistress when she walks treads on the ground.
And yet, by heaven, I think my love as rare
As any she belied with false compare.

William Shakespeare

Soneto CXXX


Não tem olhos solares, meu amor;
Mais rubro que seus lábios é o coral;
Se neve é branca, é escura a sua cor;
E a cabeleira ao arame é igual.
Vermelha e branca é a rosa adamascada
Mas tal rosa sua face não iguala;
E há fragrância bem mais delicada
Do que a do ar que minha amante exala.
Muito gosto de ouvi-la, mesmo quando
Na música há melhor diapasão;
Nunca vi uma deusa deslizando,
Mas minha amada caminha no chão.
Mas juro que esse amor me é mais caro
Que qualquer outra à qual eu a comparo.

Barbara Heliodora



Soneto CXXX


Olhos de minha amada de sol não tem nada;
Bem mais rubro que seus lábios é o coral;
Se a neve é alva, seu peito em flor fechada;
E o fio de cabelo quase de arame é feito tal.
Conheço rosas brancas, rubras e amarelas,
Porém nenhuma delas lhe adorna as faces;
E haveria mais aroma em certas macelas
Do que no hálito que de meu bem exalasse.
Adoro sua voz, embora reconheça
Que música se faz com melhor dicção.
Garanto, jamais vi uma alada deusa,
Os passos de meu bem rebatem sobre o chão.
Porém, por Deus, percebo-a tão rara
Ante a qualquer outra que a ela se compara.

Ruy Vasconcelos


Nota - Não gosto de teatro. Não fui acostumado desde cedo com teatro. Nunca foi algo que me divertiu muito. Porém me lembro, em 1992, de uma encenação de Ricardo III, pela Royal Shakespeare Company, no Arts Center da Universidade de Warwick, que, depois do espetáculo, ficamos -- um grupo de amigos -- tomando cidra no pub anexo, um tanto tontos de pensar: não era possível que aqueles caras de carne e osso, que tomavam seus drinques e fumavam seus Marlboros a só uns poucos passos de nós eram os mesmos que estavam no palco, só uns minutos atrás, falando naquela linguagem sublime. Junto com certa versão da Paixão de Cristo por pescadores da Taíba - e por razões muito diversas (à certa altura o Centurião, após algum contratempo de cena em pregar o Cristo na cruz bradava, batendo com o chicote no chão: "Açoita esse cabra, direito!") - foi uma das raras vezes que o teatro virou absoluto cinema. Daquele tipo de se sair da sala, olhar para a rua escura e dizer: "ué, mas já anoiteceu?" Há ganhos de parte a parte nas versões. E também perdas. A de Barbara Heliodora é mais concisa e coloquial. Mais elegante. Inclusive pela precisão e riqueza das rimas. Talvez haja mais unidade, coerência, afinal, ela é a maior autoridade no bardo de Stratford por aqui. Mas quem pensa que só de coerência e unidade vive um poema? E, assim, creio que há uma certa carência de música em sua versão. E a música desempenha um papel importante nessas linhas. Este poema é uma espécie de "Amor é fogo que arde sem se ver" ou "Alma minha gentil, que te partiste" da língua inglesa. E vou dizer, parece ser tão bom quanto.

4 comentários:

  1. Parece, parece. Acho que meu soneto preferido da série é o 73, em que se diz que a noite é "o segundo ser da Morte". Mas falar de preferência nesses sonetos é asneira, porque o tempo passa, nós passamos, e cada um deles fica. A propósito, acho que, bloomianamente falando, esse soneto 73 acossa por todos os lados as "Two songs for a play", do Yeats. Vou indo, antes que a noite pós-serene. Abraço,

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  2. meu caro ruy, acho o teu terceiro verso, sobretudo, um achado ritmíco digno de cruz e sousa. abraço,

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  3. olá, ilustre prof. ludo,

    aquele livro de sonetos do guilherme, como o do luís, se pode abrir de olhos fechados em qualquer pág.

    ñ conheço esse poema do yeats. vou atrás dele.

    abs.

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  4. victor,

    de minha parte, gosto da rima interna (amarelas/belas), da semi-rima (voz/faz) e do verso, bastante aliterativo sobre o caminhar da moça: "os [p]assos de meu [b]em re[b]atem sobre o chão". aqui todos os acentos são precedidos pelo percussivo das bilabiais. há uma transcrição musical, percussiva dos passos. mas, por exemplo, o verso final da minha solução é bastante fraco. assim como a tentativa de rimar toante uma única vez: reconheça/deusa.

    grato por passar por aqui. e espero q. o espírito de cruz e souza baixe mais por essas plagas.

    abs.

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