terça-feira, 23 de dezembro de 2008

De repente a noite ficou mais fria: Cohen


William Turner, circa 1830-40



Alexandra Leaving


Suddenly the night has grown colder.

The god of love preparing to depart.

Alexandra hoisted on his shoulder,

They slip between the sentries of the heart.


Upheld by the simplicities of pleasure,

They gain the light, they formlessly entwine;

And radiant beyond your widest measure

They fall among the voices and the wine.


It’s not a trick, your senses all deceiving,

A fitful dream, the morning will exhaust –

Say goodbye to Alexandra leaving.

Then say goodbye to Alexandra lost.


Even though she sleeps upon your satin;

Even though she wakes you with a kiss.

Do not say the moment was imagined;

Do not stoop to strategies like this.


As someone long prepared for this to happen,

Go firmly to the window. Drink it in.

Exquisite music. Alexandra laughing.

Your first commitments tangible again.


And you who had the honor of her evening,

And by that honor had your own restored –

Say goodbye to Alexandra leaving;

Alexandra leaving with her lord.


Even though she sleeps upon your satin;

Even though she wakes you with a kiss.

Do not say the moment was imagined;

Do not stoop to strategies like this.


As someone long prepared for the occasion;

In full command of every plan you wrecked –

Do not choose a coward’s explanation

that hides behind the cause and the effect.


And you who were bewildered by a meaning;

Whose code was broken, crucifix uncrossed –

Say goodbye to Alexandra leaving.

Then say goodbye to Alexandra lost.


Say goodbye to Alexandra leaving.

Then say goodbye to Alexandra lost.


Leonard Cohen



Alexandra Partindo


De repente a noite ficou mais fria.

O deus do amor preparava a partida.

Alexandra ao ombro, por companhia,

Eles driblaram os olhos da batida.


Firmes na simplicidade do prazer

Ganharam luz, que, informe, abraçaram;

E radiantes mais do que cabe em tua colher

Sobre vozes e vinho desabaram.


Não é truque ou teus sentidos sumindo

Capricho de sonhos que de manhã se esgotam—

Diz adeus a Alexandra partindo.

Diz adeus a Alexandra que não volta.


Ainda que ela tenha dormido em teu cetim;

Ainda que ela te acorde com um beijo;

O momento não foi falso boletim;

Nem o rebaixe, como é de teu desejo.


Como alguém pronto para o não bem-vindo,

Segue até a janela. Toma um trago.

Música exótica. Alexandra rindo.

E te vem a cabeça o primeiro afago.


Você passou a noite com ela, curtindo

E por essa honra se restaurou inteiro—

Diz adeus a Alexandra partindo,

Alexandra partindo com seu cavaleiro.


Como alguém pronto para o não bem-vindo,

Dominando todos os planos frustrados;

De uma covarde não veste o inútil blindo

Que se esconde sob causas e resultados.


E você, pra quem tudo fazia sentido,

Trato quebrado, sem crucifixo de escolta—

Diz adeus a Alexandra partindo.

Diz adeus a Alexandra que não volta.


Diz adeus a Alexandra partindo.

Diz adeus a Alexandra que não volta.




Nota – toda vez que penso em tradução de letra de música me ocorrem duas coisas: 1. uma letra que possa se sustentar sem a música, como poema autônomo. Então, tento, o máximo possível, escutar apenas a música das palavras e esquecer da linha melódica da canção, afinal não estou tentando enganchar palavras numa frase de música, mas pô-las no papel, longe da música . 2. (e é algo bem mais pessoal), me lembro de duas traduções feitas por Drummond para letras de Lennon (“Happiness is Warm Gun” é uma delas) à época da morte do ex-Beatle (1980) que eram simplesmente medonhas – com todo o respeito que tenho (e que é imenso) pela poesia de Drummond. Ou seja, provavelmente não menos medonhas que essa bizarra tentativa de verter uma letra de Cohen. Letra, aliás, baseada em um célebre poema de Kaváfis, chamado “O Deus Abandonou Antônio”. // Letra de música é mesmo outra praia. Nem sempre acessível a grandes poetas. Richard Wilbur chegou a colaborar como letrista para composições Leonard Bernstein – algo que não é para qualquer um. Auden escreveu libretos para Benjamin Britten. Mas tudo isso soa muito esporádico e ocasional. Tanto quanto Ferreira Gullar escrever para Fagner uma versão em português para – a meu ver – um tanto kitsch “Borbulhas de Amor” (cujo original é em castelhano). Por outro lado, em recorrente colaboração com Fagner, tome uma letra de Fausto Nilo ou de Brandão – especialmente as dos primeiros discos. É outra coisa. São fortes, densas. Deixam Ferreira Gullar no chinelo. Ou seja, são letristas de música mesmo, mais do que poetas do papel. Disso bem sabe meu amigo Fausto Nilo. Quando penso num verso como “De um covarde não veste o inútil blindo”, penso: meu Deus, estou escrevendo à Vicente Celestino. Mas que poeta não tem seu momento, digamos, não propriamente celestial, mas Celestino?





2 comentários:

  1. eu sempre tô lendo por aqui e não comento, mas nessa postagem me sinto no dever de comentar, hehe.
    linda demais essa letra.
    um abraço!

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  2. ora, ora, a própria, em pessoa, desceu do olimpo, deixou o deus do amor por um instante a ver navios, e baixou aqui nesta terra (de mormaços e dezembros) para comentar.

    prodigioso.

    o q. um letra de cohen não faz.[rs]

    abs.

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