sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

E se quase não for isso, é menos


[s/i/c]


Breve Tratado de Ficção Pós-Moderna em Três Tempos de Futebol II


1.

Sem dúvida, o robusto cavalo-de-batalha da literatura pós-moderna, que se reivindica radicalmente anti-realista, é o de reiterar que não devemos crer no que estamos lendo. Por exemplo, se é uma trama de ficção, essa trama tem de ser constantemente intervalada por trechos que nos recordam que o que estamos lendo é um livro de ficção. Algo “inventado”. Um dos propósitos desse dispositivo, tão encontrados na meta-ficção pós-moderna, é o de instilar ainda mais dúvidas no leitor. Ou seja, “torná-lo” mais “inteligente” e “intransigente” à frente de sua leitura. Reconhecer sua condição de alienado num mundo sem referências. Num mundo em que tudo é ainda mais relativo que a teoria da relatividade.


2.

Um segundo propósito – este tão prezado pelos quetais como Barthes e os autores do noveau-roman – é o de retirar do autor o que se supõe ser uma prerrogativa demiúrgica. Um mundo construído que nos repassa uma forte sensação de factibilidade. Logo, seguindo essa lógica, ao se questionar esse mundo crível se questionaria também o poderio, digamos, ilimitado do autor de fazer crer e acontecer. Seu código de autor. Quer dizer, se quebraria com seu ego. Ou, para alguns, com o seu desejo de representação de mundo que guarda algo do fálico impulso masculino, tal qual entrevisto pela psicanálise. Mas não é a psicanálise, por seu turno, apenas mais um código e um jogo - embora bastante bem elaborado - de cartas marcadas? E o mesmo não se pode afirmar das teorias desconstrucionistas? Ou seja, no fundo, tão-só se substitui um sistema de crença por outro. E, no caso, por outro desgraçadamente menos sutil e divertido. No fundo, o ataque desconstrucionista, mais do que os paradigmas da razão instrumental, visa a autoridade da transcendência, que é encarnada pelo grande livro realista do Ocidente: a Bíblia.


3.

Basicamente esses dois fatores - romper com o plausível pela morte do autor - são responsáveis por uma enxurrada de romances e filmes pós-modernos em que as personagens são menos um caráter individual do que a cristalização de certo mal-estar coletivo diante da profusão, sempre tendente ao infinito (porque lastrada na informação), de referências do mundo do consumo cultural em seus aspectos e matizes os mais compósitos e bizarros: de Shakepeare ao Programa do Gugu, passando pelos blogues de auto-ajuda, ou ainda pelos que adoram atrizes de telenovela que saíram de circuito – como Nádia Lippi, Maria Cláudia ou Lídia Brondi – e chegando a Machado de Assis, sem esquecer Os Mamonas Assinas e a Mulher Melancia. Quer dizer, uma das tarefas do prosador pós-moderno é, no momento em que você está ameaçando crer no que ele escreve, lembrar-lhe que você está crendo demais. E quanto mais ele lhe pegar nesse logro, tanto mais ele e os críticos que o referendam se darão por satisfeitos. É esse o jogo. Mas esse jogo não abole a dualidade autor/leitor. Apenas, ao questioná-la tão arduamente, a desloca. E, claro, na maioria dos casos, a torna mais insípida. Mais cansada.


Prorrogação

A isso se chama meta-literatura. Aquela que questiona o leitor. Aquela que supostamente quer retirá-lo da passividade e do espectadorismo para ser, pelo menos, tão autor quanto o próprio autor. Com isso se extinguiria a autoridade do autor. O autor estaria morto. Viva o leitor! Porém, é aqui que de algo não se lembra: desde que há ficção, há autores que lançam senhas para o leitor mais perspicaz sobre a plausibilidade do que ele está a ler. Por ironia isto acontece - do modo mais sutil e bem elaborado - entre os autores que se reivindicam como empedernidos realistas. "Nada de novo sob o sol, Absalão!", diria Cervantes se encontrasse com um pós-estruturalista lá pelo sec. XVII.


Disputa de pênaltis

O ponto é que tanto se fez para matar o pobre do autor que o leitor foi sacrificado de lambuja.




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