sábado, 27 de dezembro de 2008

Melhor vassalo não há: o Poema do Cid

Detalhe de um manuscrito do Poema do Cid, 1344









'Mio Cid Ruy Díaz por Burgos entró'

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Mio Cid Ruy Díaz por Burgos entró,
en su compaña sessaenta pendones.
Exiéndole ver mugieres e varones,
burgeses e burgesas por la finiestra son,
plorando de los ojos, tanto avién el dolor.
de las sus bocas todos diziían uns razón:
-!Dios, qué buen vasallo, si oviesse buen señor!



[Fragmento del Poema del Mío Cid, anónimo, séc. XII]






'Meu Cid Ruy Diaz por Burgos entrou'

3
Meu Cid Ruy Díaz por Burgos entrou,
na sua companhia sessenta pendões.
Vieram-no ver mulheres e varões,
Burgueses e burguesas à janela se postam,
rasando os olhos, da mesma pungente dor.
De suas bocas escapa a contestação:
–Deus, que bom vassalo para tão mau senhor!



[Fragmento do Poema de Meu Cid, anônimo, séc. XII]





Nota – o Poema do Cid [como geralmente é chamado] consiste no grande épico á base da língua castelhana. E também a fonte do realismo que carateriza a literatura espanhola em largos traços. E faz, por ilustração, João Cabral reconhecer no espanhol um idioma “concreto”, como o inglês [não no sentido da poesia concreta, mas no sentido da objetivação do mundo pela palavra]. A ambos, Cabral contrapunha o francês e o português, como idiomas “abstratos”, menos marcados por essa presentificação do mundo exterior pela palavra. João Cabral costumava comparar esse épico com um roteiro de um filme pela precisão de detalhes narrativos. E isso é fato. Aprendi, em parte a escrever roteiros lendo e relendo este poema. Você lê o poema e “vê” os acontecidos. Tenho cinco diferentes edições anotadas do Poema do Cid. Uma delas com tradução em prosa para o inglês. Outra com tradução em verso para o espanhol moderno. Pode-se sentir, aliás, que em certos aspectos a linguagem do poema está mais rente ao português contemporâneo que ao espanhol. Volta e meia retorno a esse poema. Como quando se precisa de alimento ou vitamina. E saio sempre mais estaminado. O carinho que tenho por ele também se estende a óbvias razões pessoais. Ao fato de vir dele não só o meu próprio nome, pois Ruy não é mais que o apelido medieval de Rodrigo [em tempos idos Roiigo, de onde a abreviação Roi, depois Ruy], mas também o nome de meu irmão mais novo, que se chama Cid [que é simplesmente a abreviação do árabe Said=Senhor]. O nome de El Cid [ou O Senhor], protagonista do épico, era Rodrigo Diaz de Bivar [ou Vivar se quiserem]. Ruy Diaz de Vivar era um cavaleiro que caiu em desgraça junto ao rei de Castela, apesar de suas façanhas diversas combatendo os mouros e bons serviços prestados à sua majestade. Passou larga parte de sua vida no exílio. Castigo imposto por Alfonso VI, em meados do sec. XII. É essa falta de reconhecimento por parte do rei o que os habitantes da velha cidade de Burgos, no norte de Castela, quase na fronteira asturiana, lamentam quando o Cid e seus cavaleiros adentram a cidade no início mesmo do poema [3ª estrofe]. No entanto, apesar dela, o cavaleiro de Bivar – que lembra um pouco o perfil do Heitor da Ilíada: bravo guerreiro, mas pai dedicado e carinhoso – não mede esforços não só para alargar as fronteiras de Castela, mas também para recuperar sua honra enxovalhada. É claro que há muita vontade coletiva em torno da figura, a ponto de mitificá-la. Ao que parece, na realidade, o Cid chegou, num determinado momento, a tecer alianças com taifas muçulmanas e combater as tropas do rei. Mas isto é verdade histórica. E o poema não é propriamente a expressão da história tal como aconteceu. Mas como todo um povo gostaria que tivesse acontecido. Também há algo nesse apego Ibérico que remete para a família de meu pai, os Carvalho, que se espalharam pelo norte do Ceará (o epicentro é a velha e, hoje, decadente cidade de Granja) e oeste do Piauí. Suspeito que tenham sido gente da judiaria [ou seja, da comunidade de judeus-lusitanos] próxima a Braga, no norte de Portugal. E, portanto, cristãos conversos [cristãos-novos ou marranos] como tantas famílias pelo Nordeste afora. É o que faz sentir-me também nessa compositividade do judaísmo. Ou entrevê-lo como algo irmão, próximo. A ser tido em conta, por fraternidade e laço histórico.



Um comentário:

  1. Mil gracias, Ruy. Mis mejores deseos también para ti y los tuyos en 2009, espero que sea un año lleno de felicidad.

    ¡Estupenda tu traducción de los versos del Mio Cid! Yo nací en Burgos y me crié bajo la sombra de la espada del Cid.

    Te mando un fuerte abrazo.

    Óscar Esquívias

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