segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Impulsos coletivos de sinceridade & anarquia


[s/i/c]


Diz-me com quem andas


Um grupo de amigos se forma por sensibilidades comuns. Quando se é mais jovem, isso é notável e importante. Muito sincero. Porque há uma maior tendência a se fazer tudo em bando. Talvez um último eco de infância. A turma.

A característica geral que cimentou minha turma era uma desbragada irreverência diante de tudo que sentíamos como conduzido por certo sectarismo. Daqueles quase religiosos. Mas que, no fundo, pressentíamos – e aqui é onde morava o perigo – , estavam longe de constituir uma religião, porque de uma evidente debilidade moral. Constituíam apenas sucedâneos mal-ajambrados. Espécies de idolatrias por compartimento.

Exemplo? Militantes do movimento estudantil. Outro exemplo? Ambientalistas. Um terceiro exemplo? A turma do desbunde: aqueles velhos maconheiros que não podiam passar um dia sem seus cigarrinhos de cannabis – mesmo que alguns, volta e meia, passassem mal. Sofressem daquelas viagens tortas. Os tais “brancões”. E havia ainda os esotéricos, que viviam de fazer mapas astrais, sondar personalidades completamente distintas (apesar de serem leoninas) ou entrever flying saucers in the sky.

Em relação aos ambientalistas, há um episódio marcante.

Num desses carnavais da vida, nos atacamos em bando para Jericoacoara. Foi esplêndido. Como não poderia deixar de ser, estávamos acampados. Fazia parte do figurino da época. E até que era divertido. Mas, uma de nossas vizinhas entre lonas, fios, lâmpadas à querosene, colchonetes violões e aquele permanente cheiro de maconha, era uma professora da Universidade Federal. Uma antropóloga, febril militante da causa ambiental. Todo dia, pela manhã, nos passava uma sabatina sobre a necessidade de recolher o lixo do acampamento – coisa que nem todos faziam. E, principalmente de separar o lixo orgânico do inorgânico. E enterrar o orgânico.

Tanta ênfase punha nisso nossa ambientalista, que começamos a ficar meio aporrinhados com toda aquela lenga-lenga nos ouvidos logo ao acordar. Afinal, tínhamos vinte anos: meninas, futebol, música e poemas de Paulo Leminski e Nicolas Behr eram prioridades bastante mais consideráveis em um meio-ambiente que até curtíamos muito, pois Jericoacoara era inculta e bela àquela altura.

Mas mal a pequena comunidade, ainda de cara amassada da farra da noite anterior, se reunia para o café da manhã, lá vinha a tal professora nos falar de o quanto um saco plástico só deixará de degradar o meio-ambiente depois de cinco séculos e dezessete dias.

Lá pela terça-feira de Carnaval ninguém agüentava mais o zelo ambientalista da fulana.

Então, na madrugada do dia seguinte, já levantando acampamento, surgiu um daqueles impulsos coletivos. Que não tem autor, porque faz parte do subentendido de toda turma que se preza. Resultado, antes de zarpar de volta à Fortaleza, e às escondidas dela, juntamos todo o lixo – o orgânico, o inorgânico e o transorgânico do improvisado camping – e depositamos solenemente, em uma pilha enorme, bastante sortida (e mal-cheirosa) diante da barraca, azul e imaculada, de nossa ilustre conscientizadora.



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