quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

E plangente é a voz deste meu pleito: Cavalcanti


Jan Veermer, c. 1665




'Voi che per gli occhi mi passaste ‘l core'


Voi che per gli occhi mi passaste ‘l core
e destaste la mente che dormìa,
guardate a l’angosciosa vita mia
che sospirando la distrugge amore
E’ ven tagliando di sì gran valore
che’ deboletti spiriti van via
riman figura sol en segnoria
e voce alquanta, che parla dolore.
Questa vertù d’amor che m’ha disfatto
Da’ vostri occhi gentil presta si mosse:
un dardo mi gittò dentro dal fianco.
Sì giunse ritto ‘l colpo al primo tratto,
che l’anima tremando si riscosse
veggendo morto ‘l cor nel lato manco.


Guido Cavalcanti




'Tu, que pelos olhos meus passaste ao peito'


Tu, que pelos olhos meus passaste ao peito
e despertaste a mente que dormia,
esquiva-te da minha vida de angústia
que aos suspiros amor tem desfeito.
E vem talhando de si bom conceito
pois aos de espírito vão não aprecia
mas um só vulto surge à senhoria
e plangente é a voz deste meu pleito.
Esta é qualidade do amor que me desfaz.
De teu olhar gentil presto se move:
um dardo me atinge o flanco exorto.
E tão certeiro esse primeiro golpe se faz
que a alma, tremendo, se comove
de no lado esquerdo o coração ver morto.


[nossa versão]




'You, who do breach mine eyes and touch the heart'


You, who do breach mine eyes and touch the heart,
And start the mind from her brief reveries,
Might pluck my life and agony apart,
Saw you how love assaileth her with sighs,
And lays about him with so brute a might
That all my wounded senses turn to flight.
There's a new face upon the seigniory,
And new is the voice that maketh loud my grief.
Love, who hath drawn me down through devious ways,
Hath from your noble eyes so swiftly come!
'T is he hath hurled the dart, wherefrom my pain,
First shot's resultant! and in flanked amaze
See how my affighted soul recoileth from
That sinister side wherein the heart lies slain.


[versão de Ezra Pound]




Nota - Guido Cavalcanti (c.1255-1300), o primeiro grande poeta em língua toscana [italiano arcaico] era um dos poetas preferidos de Pound, que o traduziu extensamente para o inglês. As versões de Pound são curiosas. Atestam grande cuidado e equilíbrio entre forma e conteúdo. A versão do soneto acima, por exemplo, contém mais palavras na propalada síntese do inglês do que as há no original de Cavalcanti [o original tem 91 palavras; nossa versão, 99; a de Pound, a bagatela de 116 - 25 palavras a mais (é mais de um quarto de poema de acréscimo). Ou seja, para um idioma mais próximo - em formas fixas, versos medidos, rimas, assonâncias, aliterações - a tradução é, em geral, mais condensada, mais próxima do original. É possível traduzir do espanhol ou do italiano mais ou menos com o mesmo número de palavras]. Há um poema [AQUI], em que, num determinado trecho, Pound invoca o nome de Guido Cavalcanti. Pound também pasticha o estilo de Cavalcanti no Canto XXXVI de The Cantos. Dante, que era amigo de Cavalcanti - ambos eram florentinos - chamava Arnaut Daniel de "Il miglior fabbro" ["o melhor artesão", "o melhor artífice"]. O apodo repetir-se-á na dedicatória de Eliot para Pound [logo ao início de "The Waste Land"]. Entre os epígonos de Pound, Louis Zukofsky também empreendeu uma tradução da famosa canção "Donna me Prega", modulando-a a certas peculiaridades do idioleto do Brooklin [bairro judeu de Nova York]. Para conhecer mais sobre teorias de tradução: [AQUI]. [For the same essay (in English) on tone and translation, translated by Prof. Tom Moore [HERE]]. Dante, que tinha Guido em alta conta, o menciona em trechos diversos de sua Vita Nova, De Vulgari Eloquentia e da Commedia [em que o chama de "la gloria de la lingua"]. Considerava-o seu mentor, embora não se abstenha de afundar o pai de Guido, Cavalcante di Cavalcanti, no inferno. Tanto por razões políticas, quanto por seu alegado ateísmo.




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