quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

À última vista: Baudelaire


Pierre-Aguste Renoir, Le Bal au Molin de la Galette, 1862
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À une passante

La rue assourdissante autour de moi hurlait.
Longue, mince, en grand deuil, douleur majestueuse,
Une femme passa, d'une main fastueuse
Soulevant, balançant le feston et l'ourlet;
Agile et noble, avec sa jambe de statue.
Moi, je buvais, crispé comme un extravagant,
Dans son oeil, ciel livide où germe l'ouragan,
La douceur qui fascine et le plaisir qui tue.
Un éclair... puis la nuit! — Fugitive beauté
Dont le regard m'a fait soudainement renaître,
Ne te verrai-je plus que dans l'éternité?
Ailleurs, bien loin d'ici! trop tard! jamais peut-être!
Car j'ignore où tu fuis, tu ne sais où je vais,
Ô toi que j'eusse aimée, ô toi qui le savais!

Charles Baudelaire


A uma passante

A rua ensurdecedora à minha volta grita.
Alta, esguia, em grave luto, dor majestosa,
Uma mulher passa, com a mão faustosa
Soerguendo, oscilantes o festão e a fita;
Ágil e nobre com sua perna esculpida.
Eu, bebia crispado, como um extravagante,
No seu olho, céu ruço onde tempestade surgida,
A doçura que cativa e o prazer asfixiante.
Um clarão... depois noite!—Fugaz velida,
Cujo vislumbre me fez subitamente renascer,
Não mais te verei, a não ser noutra vida?
Alhures, longe daqui! tarde demais! sem proceder!
Pois ignoro aonde foste, não sabes aonde irei,
Ah, tu, que bem sabes o quanto te amei!



Nota – De longe o poema mais conhecido de Baudelaire foi também ajudado por uma clássica análise de Walter Benjamin a ser ainda mais divulgado. Nessa análise, Benjamin indica como o heroísmo do amor moderno está nessa espécie de “amor à última vista”, tal como delineado no poema. Ou seja, pela escala desmesurada da grande metrópole, nos deparamos com pessoas que jamais encontraremos de novo. É possível que por um breve instante o olhar diga algo a alguém, como o de Baudelaire disse à bela viúva que passava, enquanto ele bebia à mesa de um café. Mas tudo isso logo ficou para trás. E, no ritmo vertiginoso, das multidões, talvez haja ficado para trás para sempre: o heroísmo do “amor à última vista”. "Velida" [ 9º verso da tradução], termo do português, arcaico, era muito empregado pelos trovadores galego-portugueses. Quer dizer: bela, bonita, louçã, viçosa. Como no começo da célebre canção de D. Diniz: "leuantou-se a velida/ leuantou-s'alva".



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