segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Matador e Mata-a-dor


Hanna-Barbera, década de 50


Episódio daqueles tempos unilaterais


-Posso pegar um pouco de queijo, generoso pai?

-Ora, o que é meu é seu, querido filho.

O diálogo está em certo episódio de Bibo Pai e Bóbi Filho [Auggie Doggie and Doggie Daddy], os simpáticos spaniels estilizados por William Hanna e Joseph Barbera. Foi ouvido de raspão, na televisão, hoje à noite. E me fez entrar no túnel do tempo. Os dois cachorrinhos eram uma alegoria de quanta trapalhada um filho pré-adolescente pode causar na vida de um pai. Mesmo de um pai amoroso. E especialmente deste. "Meu querido Bóbi" metia o pai em poucas e não boas. A terrível força da ironia ensinada com indizível graça. A força dos cartoons de Hanna e Barbera sempre esteve muito calcada na voz das personagens, uma vez que elas não possuem a mesma versatilidade de movimentos, a mesma dinâmica plástica dos desenhos da Warner ou mesmo da Disney --- que foram feitos predominantemente para a tela grande e não para a telinha. Mas nos Hanna-Barbera as vozes eram magníficas. Inclusive quando se tinha um narrador. As vozes eram um verdadeiro tour-de-force para dubladores. E, com certeza, os dubladores brasileiros dos anos 70 foram as vozes certas para esses personagens. Certamente melhores que seus equivalentes em inglês. Nem mais nem menos. Essas vozes grudaram nos personagens, impregnando-os. Eram mais eles do que a própria pele colorida que os envolvia. A ponto de qualquer dublagem posterior saber a algo tão sem graça que soa a embuste. A profanação. Lembro que vivíamos sob uma ditadura. E tudo era muito maniqueísta. Mas entre o movimento estudantil com sua sisudez e suas desconfianças de tudo que era produzido nos Estados Unidos, ressalvo que já naquela época me impressionava muito mais alguns desses produtos "imperialistas", vistos desde a infância e devidamente sopesados na adolescência, que o ramerrão cacete e unilateral do movimento. É o caso dos excelentes cartoons de Hanna e Barbera. Muito mais deliciosos do que conceitos como centralismo democrático, ditadura do proletariado, capitalismo tardio, guerrilha urbana, realismo socialista ou a náusea de Sartre. É certo, desenhos de Hanna-Barbera eram, então, entrevistos como um produto típico do imperialismo ianque. Mas que magníficos! Com diálogos repletos de viva inteligência. Quase platônicos. Muito mais saborosos do que a lenga-lenga derivativa e acre que sempre me fez passar ao largo das portas dos CA's por essa vida afora. Mesmo achando que o país precisava ser revisto, redemocratizado. Havia outras formas de agir e conceber que não a dos CA's, que quase sempre não passavam de sucedâneos do jogo político execrável de nossos tempos de ditadura. Uma espécie de outra face da moeda mesma. Mesmo achando que havia muita injustiça naquele mundo e naquele país, havia também e por exemplo, a anarquia da criação, da arte, como saída. Um pequeno lugar de não ser infeliz. Um desvio. Sempre os há. E, entre essas injustiças, sem nenhuma dúvida, o fato de nem toda criança brasileira ter acesso à carga de beleza e humor presente nos cartoons norte-americanos. Mas também o fato de nenhuma criança norte-americana ter acesso às fantásticas dublagens brasileiras.

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