domingo, 7 de setembro de 2008

O que neles se toca é a manhã


Stephen Shore, 1974

Por quem os sinos

Duas diferentes sensibilidades à escuta dos sinos no domingo: Nuno Júdice e William Carlos Williams. O poema de Júdice peguei emprestado do blogue de Cris Moreno:


Domingo no Campo

Aos domingos, quando os sinos tocam
de manhã, o que neles se toca é a manhã,
e todas as manhãs que nessa manhã
se juntam, com os dias da infância que
nunca mais acabavam, as casas da aldeia
de portas abertas para quem passava,
as ruas de terra batida onde as carroças
traziam as coisas do campo, os cães que
corriam atrás delas, uma crença no sol
que parecia ter expulso todas as nuvens
do céu, e a eternidade desses domingos
que ficaram na memória, com o ressoar
dos sinos pelos campos para que todos
soubessem que era domingo, e não havia
domingo sem os sinos tocarem a lembrar,
a cada badalada, que os domingos não
são eternos, e que é preciso viver cada
domingo como se fosse o primeiro, para
que o toque dos sinos não dobre por
quem não sabe que é domingo.

Nuno Júdice


The Catholic Bells

Tho' I'm no Catholic
I listen hard when the bells
in the yellow-brick tower
of their new church

ring down the leaves
ring in the frost upon them
and the death of the flowers
ring out the grackle

toward the south, the sky
darkened by them, ring in
the new baby of Mr. and Mrs.
Krantz which cannot

for the fat of its cheeks
open well its eyes, ring out
the parrot under its hood
jealous of the child

ring in Sunday morning
and old age which adds as it
takes away. Let them ring
only ring! over the oil

painting of a young priest
on the church wall advertising
last week's Novena to St.
Anthony, ring for the lame

young man in black with
gaunt cheeks and wearing a
Derby hat, who is hurrying
to 11 o'clock Mass (the

grapes still hanging to
the vines along the nearby
Concordia Halle like broken
teeth in the head of an

old man) Let them ring
for the eyes and ring for
the hands and ring for
the children of my friend

who no longer hears
them ring but with a smile
and in a low voice speaks
of the decisions of her

daughter and the proposals
and betrayals of her
husband's friends. O bells
ring for the ringing!

the beginnng and the end
of the ringing! Ring ring
ring ring ring ring ring!
Catholic bells-!

William Carlos Williams


Os Sinos Católicos

Embora não seja católico
oiço atentamente quando os sinos
na torre de tijolos amarelos
da nova igreja deles

tocam deitando abaixo as folhas
tocam sobre a geada
e pela morte das flores
tocam espantando os melros

rumo ao sul, o céu
por eles escurecido, tocam
anunciando o novo filho de
Mr e Mrs Krantz que

de bochechas tão grandes
mal pode abrir os olhos, e tocam
tirando do seu poleiro o papagaio
ciumento do menino

tocam pelo domingo de manhã
pela velhice que tirando
dá. Que toquem
que apenas toquem! sobre o quadro

a óleo do jovem sacerdote
anunciando na parede da igreja
a novena de Santo António da
semana passada, toquem

pelo jovem coxo vestido de negro
de rosto magro e chapéu de
coco, correndo para a
missa das 11 (os cachos

de uvas ainda suspensos da
vinha ao longo do
vizinho Concordia Hall
como dentes cariados

na boca de um velho) Toquem
pelos olhos e toquem pelas
mãos e toquem
pelos filhos do meu amigo

que já não os pode ouvir
mas sorri
e em voz baixa fala
das decisões da

sua filha e das propostas
e das traições dos
amigos do seu marido. Ó sinos
toquem por tocar!

o princípio e o fim de
tocar! Toquem, toquem
toquem, toquem!
sinos católicos!

Tradução de José Agostinho Baptista

Nota - O poema de Williams. A primeira vez que o li, ele se acompanhava de uma tradução de José Paulo Paes. Anos depois, quando morei em Florianópolis, visitei em certa ocasião o editor Cleber Teixeira, da Noa Noa. E ele me presenteou com um de seus preciosos livros de pura arte gráfica. Era um livro de José Paulo Paes. Muito antes disso, costumava pedir para uma amiga inglesa me ler alguns poemas, e este entre eles. Afinal, poemas em voz alta são tão uma outra coisa. Ela, feminista empedernida, sempre dava um jeito de correr com o ritmo neste. E assim todos esses "ring, ring, ring" do final eram lidos mecanicamente, em atropelo, com uma má vontade abissal (mas encantadora). O poema distava muito de ser seu preferido. Ainda assim, sou grato pelo quanto aprendi do idioma inglês --- e da vida --- com essa amiga.



2 comentários:

  1. Ruy, qual é a cidade da imagem logo acima?
    Abs,
    Daniel.

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  2. a cidade é easton, no estado americano da pennsylvania.

    abs.

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