sábado, 11 de julho de 2009

Duas reminiscências de uma gravação à beira-via


Com uma Z-1, tentando roubar alma ao inanimado durante a gravação de Uma Encruzilhada Aprazível, 2006
[Foto: Gabriel Andrade]



Com a Bolex 16mm de Ivo também durante a gravação de Aparazível, 2006
[Foto: Gabriel Andrade]





Aqueles Momentos Olho e Olho

i. Z-1

Era como colher o espírito de uma natureza morta às expensas de um pensamento que tinha em Ozu sua referência. O estático das sucatas à beira da estrada atestando mais vida pela distinção da ruína. Pelo agregado do tempo na dinâmica do inerte. Pela vida que a ferrugem agrega como substância e testemunho. Como se ali o tempo fosse demarcado por um diário de óxido, que, no entanto, revela muito mais vida e movimento que o tráfego fluindo na estrada ou o burburinho da feira. Era como encontrar as rugas do lugar. E, sem marcas de expressão, nenhum semblante é propriamente singular. Nem mesmo o de um lugarejo perdido no meio do nada. Logo, o que mais me satisfez: concluir que o sertão prosseguia, para mim, mesmo depois da gravação, ainda o mistério insolúvel de antes do documentário. A outridade indevassável.

ii. Bolex

E há aquele momento em que se esquece que a câmera e você são duas instâncias distintas. O olho coincide com a objetiva, incide não sobre ela, mas com ela; e o movimento das pernas, como as de um tenista, conduz o giro do olhar. É algo parecido com aquele instante em que se grafa a palavra sem intencionar escrevê-la, porque ela simplesmente provem de algo que não passa pela consciência tal qual a concebemos. Mas por uma sorte de intuição. Gesto não determinável, ateleológico.

Excerto

Tanto apreciei a gravação do Aprazível, que passei mal no último dia, quando cheguei à conclusão de que nada mais havia a registrar. E que, tudo colhido, podíamos voltar à Fortaleza e passar à ilha de edição. A frustração de concluir um trabalho de ordenamento criativo é semelhante ao de não testemunhar uma filha crescendo permanentemente sob teu olhar-cotidiano.



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