sábado, 27 de dezembro de 2008

Senão a que no coração ardia: San Juan de la Cruz


William Roberts, circa 1926




La noche oscura


Canciones del alma que se goza de haber llegado al

alto estado de la perfección, que es la unión con Dios,

por el camino de la negación espiritual.



En una noche oscura,

con ansias en amores inflamada,

(¡oh dichosa ventura!)

salí sin ser notada,

estando ya mi casa sosegada.


A oscuras y segura,

por la secreta escala disfrazada,

(¡oh dichosa ventura!)

a oscuras y en celada,

estando ya mi casa sosegada.


En la noche dichosa,

en secreto, que nadie me veía,

ni yo miraba cosa,

sin otra luz ni guía

sino la que en el corazón ardía.


Aquésta me guïaba

más cierta que la luz del mediodía,

adonde me esperaba

quien yo bien me sabía,

en parte donde nadie parecía.


¡Oh noche que me guiaste!,

¡oh noche amable más que el alborada!,

¡oh noche que juntaste

amado con amada,

amada en el amado transformada!


En mi pecho florido,

que entero para él solo se guardaba,

allí quedó dormido,

y yo le regalaba,

y el ventalle de cedros aire daba.


El aire de la almena,

cuando yo sus cabellos esparcía,

con su mano serena

en mi cuello hería,

y todos mis sentidos suspendía.


Quedéme y olvidéme,

el rostro recliné sobre el amado,

cesó todo, y dejéme,

dejando mi cuidado

entre las azucenas olvidado.


San Juan de la Cruz



A Noite Escura


Canções da alma que se compraz de haver chegado ao

alto estado da perfeição, que é a união com Deus,

pelo caminho da negação espiritual.


Em uma noite escura,

com ânsias em amores inflamada,

(ah, ditosa ventura!)

saí sem ser notada,

estando já minha casa sossegada.


Às escuras e segura,

pela secreta escada disfarçada,

(ah, ditosa ventura!)

às escuras e na calada,

estando já minha casa sossegada.


Na noite ditosa,

num segredo, que ninguém me via

e eu não enxergava coisa,

sem outra luz ou guia,

senão a que no coração ardia.


A luz que me guiava

mais certa que a luz do meio-dia,

aonde me esperava

quem eu bem o sabia,

no ermo onde ninguém aparecia.


Ah, noite que me guiaste!

Ah, noite amável mais que alvorada!

ah, noite que juntaste

amado com amada,

amada no amado transformada!


No meu peito florido,

que inteiro só para ele se guardava,

ali quedou dormido,

e eu lhe regalava,

e aroma de cedros ares dava.


Os ares da ameia,

quando seus cabelos afagava,

com uma mão que semeia

em meu colo uma cava,

e todos meus sentidos superava.


Quedei-me e olvidei-me,

o rosto reclinei sobre o amado,

tudo cessou, e deixei-me,

legando meu cuidado

entre as açucenas exilado.




Nota - os dois poemas de São João da Cruz (1542-1591), a "Noite Escura da Alma" e o "Cântico Espirirual", em sua aparente - e especiosa - simplicidade contam entre as mais elevadas realizações poéticas do Ocidente. Baseiam-se no 'Cântico dos Cânticos" e se completam com extensos comentários em prosa. O pequeno reformador da ordem carmelita - ao que tudo indica não media mais que um metro e meio - foi junto com Santa Teresa D'Ávila uma das mais pungentes figuras místicas do início da modernidade européia. O apelo de seus poemas é imenso. Inclusive entre poetas não ortodoxamente católicos, como o judeu-americano George Oppen ou o galês Dylan Thomas, que dele tomou de empréstimo o mote para o seu mais conhecido poema. Para ler o poema de Dylan Thomas, clique AQUI.


Um comentário:

  1. Oi Ruy,

    a primeira vez que entrei em contato com a noite escura da alma foi no Caminho de Santiago. Muito especial. Obrigada.

    Antonella
    www.antonellazara.com

    ResponderExcluir