Michael Andrews, Um homem que subitamente caiu de amores, 1952
'O amor de agora é o mesmo amor de outrora'
O amor de agora é o mesmo amor de outrora
Em que concentro o espírito abstraído,
Um sentimento que não tem sentido,
Uma parte de mim que se evapora.
Amor que me alimenta e me devora,
E este pressentimento indefinido
Que me causa a impressão de andar perdido
Em busca de outrem pela vida afora.
Assim percorro uma existência incerta
Como quem sonha, noutro mundo acorda,
E em sua treva um ser de luz desperta.
E sinto, como o céu visto do inferno,
Na vida que contenho mas transborda,
Qualquer coisa de agora mas de eterno.
Dante Milano
Nota – este soneto de Dante Milano é a prova mais cabal de que se pode escrever um soneto sem violar a necessidade e o desejo de uma expressão nova. Bebe tão obviamente em Dante, via Camões, e, no entanto, é mais preciso do que a vanguarda praticada sem radicação. Sem o enraizamento no local, de que nos falam autores como Simone Weil. Para mim, tem um significado especial. Na última apresentação de minha banda, em 1997, li este poema num intervalo entre uma e outra música. [A canção que veio a seguir, ainda lembro, era o “Tema de Vila Sésamo”, de Marcos e Paulo Sérgio Valle. De resto, tão bom quanto tudo que a dupla escreveu para a televisão. Quem não é imediatamente transportado para o começo da década de 70 ao ouvir o tema do Esporte Espetacular?] Creio que o poema toca na mesma exasperação de Drummond quando aborda a questão do momento e da essência [“Cansei de ser moderno, agora quero ser eterno”]. Porém o faz com ainda mais grandeza de forma. Sem dúvida, um dos sonetos do séc. XX para se trazer de cor, no lado esquerdo. Como a estrela do xerife fictício que todos somos. A estrela da manhã. Ou da manha de priorizar o que clama por prioridade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário