sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Decretos de aço: Marvell


[s/i/c]



The Definition of Love


My love is of a birth as rare

As 'tis for object strange and high;

It was begotten by Despair

Upon Impossibility.


Magnanimous Despair alone

Could show me so divine a thing

Where feeble Hope could ne'er have flown,

But vainly flapp'd its tinsel wing.


And yet I quickly might arrive

Where my extended soul is fixt,

But Fate does iron wedges drive,

And always crowds itself betwixt.


For Fate with jealous eye does see

Two perfect loves, nor lets them close;

Their union would her ruin be,

And her tyrannic pow'r depose.


And therefore her decrees of steel

Us as the distant poles have plac'd,

(Though love's whole world on us doth wheel)

Not by themselves to be embrac'd;


Unless the giddy heaven fall,

And earth some new convulsion tear;

And, us to join, the world should all

Be cramp'd into a planisphere.


As lines, so loves oblique may well

Themselves in every angle greet;

But ours so truly parallel,

Though infinite, can never meet.


Therefore the love which us doth bind,

But Fate so enviously debars,

Is the conjunction of the mind,

And opposition of the stars.


Andrew Marvell



A Definição do Amor


Meu amor vem de tão raro berço

Quanto é por objeto estranho e altivo;

Foi concebido em Desapreço

Lastrado no improdutivo.


O magnânimo Desapreço só

Abrir-me-ia algo tão divino

Onde o frágil Afã não tem cipó,

Mas de asa vã flafa o som tão fino.


E ainda que eu logo chegasse

Onde minh'alma estanque está,

Fortuna um calço poria num passe,

Ocupando por entre o seu lugar.


Pois Fortuna pelo ciúme enxerga

Dois amores belos, sem uni-los;

O consórcio deles é sua verga,

Emasculação de seus pugilos.


E logo seus decretos de aço,

Em opostos pólos nos puseram

(Eixos de amor do mundo em laço)

Ambos buscando abraço, em vão.


Salvo se o vertiginoso céu cair,

E a terra fender-se em seu critério,

E, para unir-nos, o mundo, a seguir,

Fosse compresso em planisfério.


Como linhas, cumprimentar-se-iam

Os diagonais amores, a cada aresta;

Mas os nossos tão paralelos fiam,

Que, mesmo no infinito, nada resta.


Assim o amor nos é absorvente,

Porém Fortuna zelosa o atropela,

Consiste em conjunção da mente,

E em oposição da estrela.




Nota – o poeta metafísico inglês Andrew Marvell (1621-1678) segue, aqui, traduzido ao modo de António Ferreira ou Camões – que o precedem em uns poucos anos. “Fortuna”, no contexto da tradução – como nos sonetos camonianos – guarda o sentido de “destino”, “sorte”, “acaso”. “Zelosa” no antepenúltimo verso do poema tem a acepção de ciumenta. Em tempos idos era isto mesmo. Zeloso queria dizer ciumento – como até hoje é em nossa língua-irmã, o castelhano: celoso=ciumento. E alguns portugueses ainda usam o termo neste sentido. Marvell é um poeta conceptista, ao modo do espanhol Francisco de Quevedo. Como o mundo dá voltas. Marvell, poeta barroco, era um dos prediletos de T. S. Eliot. A maioria dos atuais poetas neo-barrocos brasileiros, com ilustres exceções – caso de Claudio Daniel ou Josely Vianna Baptista, por ilustração – desconhece Marvell. E, de resto quase todos, incluindo as exceções, torcem o nariz para T. S. Eliot, que, por seu turno, dividia com eles o mesmo gosto pelos poetas metafísicos e o elaborado e preciosista jogo de idéias, tão característico do barroco. Por fim, “estrela”, no último verso, guarda também o sentido de destino. Eis porque magotes de desocupados traçam e sondam mapas astrais até hoje: para verificar a tal suposta influência da conjunção dos astros sobre a vida de uma determinada pessoa.



2 comentários:

  1. Como vai, Ruy?

    Gosto muito de seu blog, embora tenha me omitido até aqui. Mas hoje não resisti.

    Que é que isso! E ofertado de graça, na internet. Sou leitor contumaz dos metafísicos. E gostei de tudo. Em particular de sua solução para o último verso da 2ª estrofe. É quase traduzir o intraduzível!

    Forte abraço,

    do José Leão
    (Goiânia)

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  2. olá,

    josé leão. muito obrigado pelo elogio. é o q. digo: quem ñ precisa de estímulo. mto. bom saber q. um leitor dos metafísicos ingleses frequenta este blogue. excelente auspício.

    abs.

    ruy

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