sexta-feira, 21 de novembro de 2008

As lições de uma bienal bisonha


[s/i/c]



Por que muitas vezes as festas do livro não são dele?



Feiras e Bienais do livro. Qual o sentido delas?

1. Trazer novidades do mercado editorial.

2. Contribuir para atrair novos leitores e cristalizar hábitos de leitura ainda incipientes.

3. Promover o intercâmbio entre escritores, editores, livreiros, etc.

O primeiro, o da novidade, está um tanto esvaziado. Hoje se pode conseguir quase qualquer título sem sair de casa. Há a internet.

O segundo, o propedêutico, ainda é o mais importante. Mesmo que hoje em dia se possa pôr em xeque a presença de espetáculos de música, cinema ou "oficinas de arte" como estratégia. Num evento, assim, as estrelas deveriam ser os livros. A estratégia, aqui, seria indicar aos mais novos que o centro da feira é o livro, esse objeto nobre que não deve ser banalizado pela música, a oficina, o filme. Ao menos quando a festa é dele.

O livro deveria ser a estrela. Mas também tudo que o acompanha. Livros rimam com silêncio. Com uma atmosfera mais plácida, de aconchego, longe de música e algazarra. Faz parte. No caso cearense, essa parte é ainda maior, desde que não conseguimos sequer andar de ônibus sem música. E a bienal poderia ser um bom espaço para indicar uma alternativa a esse comportamento. Uma aula de recato e zonas de silêncio. Bibliotecas, para onde irão os eventuais leitores seduzidos, são ambientes assim. E uma bienal ou feira do livro, por mais que seja algo diferente, deveria ter um germe de biblioteca.

O terceiro sentido, o do intercâmbio, costuma a ser ainda mais polêmico, porque passa também pelo estabelecimento de critérios que são decisivos à distinção da bienal. Seu caráter próprio, intransferível. O que a torna diferente das outras. E, claro, isso tem a ver com quem se convida. E como se convida. A Festa Literária Internacional de Parati, por exemplo, optou por um formato em que alguns poucos nomes são convidados. Porém são nomes de grande ressonância. Atraem junto consigo a cobertura da imprensa. Inclusive a de seus próprios países ou estados. E também uma larga faixa de público.

Na 8ª Bienal do Livro do Ceará, que encerra hoje, houve o contrário de Parati. Mais de cem escritores de vários estados brasileiros, da Europa Ibérica e da América Latina foram convidados. Mas a vasta maioria é de desconhecidos. E, claro, esses convites são subsidiados sob a forma de passagem, hospedagem, estadia, etc. Resta saber que critérios foram adotados para que tantos escritores - alguns dos quais sem real renome em seus respectivos países ou estados - fossem convidados. Afinal, o Ceará não é um estado propriamente rico. E, logo, não se pode dar ao luxo de testemunhar cenas como a desta edição da bienal, em que escritores ficaram palestrando ou debatendo para auditórios às moscas.

Num deles, uma crítica literária uruguaia, recusou-se a falar para si mesma. E fez bem. Pois teve uma coragem que faltou à maioria: a de atestar que estava no lugar errado, na hora errada por um convite equívoco. Enquanto ela se retirava da sala vazia, dezenas de jovens fervilhavam em torno de terminais de computadores com jogos eletrônicos numa outra. E outros tantos se algutinavam diante de grandes telas onde se projetavam filmes. E mais alguns conversavam às gargalhadas pelos sofás de uma espécie de lanchonete montada sob uma rampa em espiral. O elemento central da lanchonete era uma grande TV de tela plana, em torno da qual, com a mesma fixidez que um bom leitor devotaria à página do autor favorito, meia dúzia de adolescentes, ainda em fardas de colégio, assistiam os gols da rodada - o som quase em volume máximo. Mas a bienal não era do livro?

Por que cercar uma bienal, que é do livro, de terminais com jogos eletrônicos, telas de projeções de filmes, aparelhos de TV e oficinas de encardenação? E, de outro modo: por que chamar tantos convidados que são perfeitos desconhecidos e não despertam nenhum interesse sequer do público acadêmico, especializado, a ponto de, irritados, se retirarem sem darem sua contribuição?

A impressão que fica é a de que um único convidado da Festa Literária de Parati pode devolver mais páginas de informação na internet, numa busca pelo Google, do que mais de 3/4 dos convidados da bienal do Ceará juntos. Ou atrair mais público. E, sublinhamos, como esses eventos são financiados pelo erário público, precisam também curvarem-se a uma sanção mais coletiva da sociedade.

E é essa sanção que praticamente inexiste. Então duas sugestões se pode tirar: repor o livro como centro das atenções e reavaliar os critérios de escolha dos convidados e orientação geral da bienal (Europa Ibérica, América Latina).

Um último aspecto - mas que que soa quase patético - é o de se comparar a bienal cearense com a paulista. Um desserviço à cearense. A verdade é que a de São Paulo é muito maior, concentra as grandes editoras – que, de resto, já lá estão –, possui um mercado consumidor muito mais vasto, diversificado, de maior poder aquisitivo e altos índices de escolaridade. Portanto, atrai autores e editores de maior calibre e um número imenso de novos lançamentos. O volume de negócios é incomensuravelmente mais elevado. Portanto a comparação, inabilmente feita pelo próprio secretário de cultura do Ceará, entre as bienais do Ceará e de São Paulo, sai como tiro à culatra.

De resto, o que não deixa de ser bizarro é que o Ceará, tanto em seu festival de cinema como na sua bienal do livro, demarque o perfil desses eventos por um diálogo com a América Hispânica. Justo o Ceará, um dos estados mais cercados de Brasil por todos os lados, exceto pelo do mar. O estado mais à distância de qualquer posto de fronteira ou aduana. Um local que, até onde se sabe, a população não devota nenhum interesse mais específico, tanto quanto leitora quanto como espectadora, pela literatura e pelo cinema latino-americanos. E, então, isso indica apenas que há um fosso tremendo entre a expectativa do leitor e do espectador e o que lhe é dado em troca na Bienal e no Festival de Cinema. Com isso não quero desmerecer em nada a produção cultural desses países. Ou os eforços dos respectivos curadores. Mas apenas indicar que o atual caminho pouco ajuda em termos de propedêutica: atração e formação de público. O que talvez explique os auditórios vazios e essa atmosfera geral de pasmaceira que pairou sobre a edição deste ano.


4 comentários:

  1. Talvez o senhor secretário leve além muito além um sentido de seu antropônimo, daì parecer ter feito uma autobienal.

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  2. hehehe,

    caro kelsen, bem apontado. há esses nomes q. caem como luva para determinadas pessoas em determinadas funções. aparentemente, no caso, há os q. são filhos de si próprios.

    mas, como assim?

    mistérios da meia-noite.

    abs.

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  3. As bienais, as feiras de livros, os festivais de cinema, enfim, toda e qualquer atividade voltada para a cultura costuma ter motivações e intenções. Por quê? Para quê? No meio, os meios utilizados para justificarem o primeiro e o segundo. Certamente que houve tudo isso para a realização da 8ª Bienal do Ceará. Mas houve momentos estranhos, não compatíveis com o evento como, por exemplo, a palestra de Lira Neto para não mais que dez pessoas e a sessão de autógrafos do escritor Hamilton Nogueira, para o livro de contos O Condomínio, no stand da Editora Premius. O autor, chamado a falar um pouco sobre a criação de suas histórias, teve que concorrer com a algazarra de pessoas (não somente estudantes) que passavam pelos corredores como se estivessem percorrendo galerias de um estádio de futebol.

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  4. olá, sérgio e chico,

    se lira neto, um dos mais renomados biógrafos brasileiros da atualidade (e, digamos assim, "prata da casa" - porque jornalista de vasta lista de serviços prestados à cultura local -) se viu nessas circunstâncias, imagine um desses poetas do equador ou do peru de quem nunca se ouviu antes falar. (e provavelmente nunca se ouvirá falar depois). bom, vs. têm toda razão: bienal do livro ñ rima com algazarra.

    abs.

    ruy

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