O
Cordel, esse artifício turístico
Durante
anos o cordel foi essa bucha de canhão para teses.
O
cordel estava fadado a morrer. Não há nada de errado nisso. Há um
ciclo que se fecha na espiral, para lembrar de Vico. Sua fonte era a
narrativa oral, densa, assentada em esquemas mnemônicos que já não
há.
Da
narrativa oral só restaram minúsculos cacos, cinzas ou uma forma
parcial, bastante híbrida, que detem algum débil empréstimo da
tradição popular mas muito mais de rádio, de TV, de internet, do
previsível jargão das associações comunitárias. Gente que andou
coletando essas gestas populares, já faz tempo, como Sílvio Romero,
Gustavo Barroso, Leonardo Mota, Mário de Andrade ou Câmara Cascudo
sabia que essa morte seria iminente. Ou a pressentia.
Há
formas que se extinguem simplesmente porque desaparecem os contextos
sociais em que surgiram. E, claro, tentar perpetuar as formas sem os
contextos é equívoco. É bisonho. É onde o movimento armorial, por
exemplo, mostra sua face menos convidativa.
Vão
dizer que a literatura de cordel está viva, que passa bem, etc. O
que está vivo e passa bem não são os cantadores populares
iletrados ou semi-letrados, nômades ou semi-nômades, que cantavam
em feiras, nos terreiros de fazendas ou acompanhando comitivas. E
cujas redondilhas constituíam uma das raras opções de lazer na
escuridão da noite. Estes desapareceram. E porque já não há
comitivas; as feiras não passam perto do que eram até meados do
séc. XX; e há eletricidade, televisão e internet no cafundó mais
cafundó do Judas. O que há, de momento, é muito mais uma
espetáculo para turista ver.
O
fato, aliás, de se alardear a todo instante que o cordel foi matéria
de estudo na Sorbonne é infame. E menos para a Sorbonne.
O
que também precipitou a morte do cantador popular e a tornou ainda
mais inglória foi sua folclorização pela academia. Ou indo
adiante, a absorção da cultura popular por programas ou subvenções
do tipo Mestres da Cultura. A não ser que sejam extremamente bem
conduzidas, intervenções dessa ordem costumam ser desastrosas,
verdadeiras Guerras de Canudos ou estação de caça ao imaginário
popular.
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