terça-feira, 18 de novembro de 2008

(Ainda) contra a interpretação


[s/i/c]



Falas não esticam textos

Um escritor pensa primeiramente com o que escreve. Isso de entrevistas, declarações polêmicas, manifestos inflamados ou pontos-de-vista sobre atualidades é secundário. Jogos de cena e marketing, as mais das vezes.

Sem dúvida tudo que um escritor escreve é mais importante do que a sua fala. E é por isso que escreve. Caso contrário ele poderia apenas gravar sua fala em podcasts ou veiculá-la por rádios, TV's, cd's ou arquivos de áudio em formatos diversos. O que um escritor escreve é também maior que sua presença. Sua figura pública, as poses em que assoma nas fotos são ninharias diante das palavras que grafou. O mesmo se pode dizer dos documentários que sobre eles se fazem para a televisão.

Escritores estão perto de ser, mas ainda não são, pop stars, atores de Hollywood ou jogadores de futebol. Quando chegarem a ser tão "personalidades" ou "celebridades" quanto estes, o risco é o de esquecermos - nós mas também eles - que são apenas... escritores. E que a maior razão para lembrarmo-nos deles são... textos.

Aliás, alguns escritores são cultuados muito mais pela "imagem" construída pela imprensa, por uma ou outra boutade largada numa entrevista, do que por seus versos ou suas prosas.

Isso chega a ser perverso em certos casos. Porque o risco é o de pensarmos mais na personalidade que foi, digamos, uma Ana Cristina Cesar, do que nos belos poemas que escreveu. Durante muito tempo, essa moça sofreu - e ainda sofre - esse tipo de redução. A importância que a ela se dá passa mais pela figura pública torturada da menina bonita da Zona Sul, do que pela poeta e escritora de diários que compôs poemas como "Samba-Canção".

Escritores não estão acima de seus leitores ao emitirem juízos de valor sobre o meio-ambiente, a relação entre os sexos, as experiências com estados alterados de consciência, questões étnicas ou escolhas políticas. Eles são distintos, isso sim, por juntarem palavras escritas que têm bem mais graça e parecem portar bem mais perenidade, ressonância, beleza e verdade do que a média . É só. Essa capacidade de distinção expressa é que os difere.

E, no entanto, a visão à francesa do escritor como o intelectual que pontifica sobre os dilemas da sociedade, por meio de entrevistas e ao assinar manifestos, cai como uma luva para as necessidades do operoso mercado editorial dos 'diascorrentes'. Especialmente num tempo em que o livro clássico - de papel, papelão, lombada e costuras - segue migrando para a virtualidade do digital. E as próprias editoras ainda não se acostumaram com a idéia. Não deram um jeito de tirar proveito dela com mais ênfase. Ou seja, a exemplo das grandes gravadoras, ainda se debatem para arranjar uma fórmula que lhes devolva o lucro parcialmente retirado pela força incipiente das novas mídias. Do mundo digital.

Mas o mercado já vem farejando "soluções" para isso. Uma delas passa por uma ainda maior exposição do escritor. A tendência é que ele faça turnês, comos os astros pop, ou vá ao maior número possível de encontros literários e feiras do livro.

Além disso, a internet já segue muito mais regulada e regulável que só uns poucos anos atrás. E o que pode surgir mediado por restrições de preços a serviços, de nuanças por geografia, ainda é uma icógnita. Mas começa a mostrar as fuças. Embora os avanços no mundo digital sejam tão vertiginosos, que a icógnita permanece.

Porém, não nos enganemos, o mercado não a deixará tardar por muito tempo. Enquanto isso o melhor que podemos fazer é baixar livros que ainda não foram editados em papel, por escassez de traduções. Ou que o orçamento nos impossibilita de adquirir.

Mas tendo em mente: a prioridade é do texto. Não da personalidade.

Relendo num blogue português a resenha de um livro de Herberto Helder, deparei-me com o argumento de que Helder era um escritor à antiga. Isso, porque não vinha a público falar sobre seus livros. Como que "justificá-los". Hoje em dia criou-se uma atmosfera de espera compulsiva por essas "justificativas" que o escritor - ou o artista em geral - tem de fazer de sua obra. É como se ele tivesse de esticá-la com palavra falada. Mas escritores como Helder, à antiga ou não, estão conscientes, ao modo do Eclesiastes, do quanto esses discursos - que às vezes eclipsam o próprio texto - são palhas ao fogo.

Enfim, é um tanto típico de nosso tempo que se cobre do escritor que, além de escrever livros, ele seja uma espécie de 'clown' ou animador de auditórios. Nem todos tem saúde psíquica para conjugar duas atividades tão radicalmente diversas: escrever livros e ajudar a vendê-los. Ser escritor e mascate ao mesmo tempo.

Talvez essa clivagem entre a honestidade que se deve ter para escrever um bom livro e a desfaçatez que se deve vestir para vendê-lo seja muito pesada para alguns. Crivado de depressão, o romancista David Foster Wallace, autor de Infinite Jest (Pilhéria Infinita, 1996), um dos mais ressonantes romances da década de 90 nos Estados Unidos, matou-se dia 12 de setembro passado.



2 comentários:

  1. Mas que merda. Não sabia da morte do Wallace. Há pouco mais de um mês li um texto excelente dele sobre Federer, o tenista. Um dos poucos escritores contemporâneos que não era uma anta em se tratando de política. Este texto aqui dele é muito bom:

    http://www.rollingstone.com/politics/story/18420304/the_weasel_twelve_monkeys_and_the_shrub

    Abraço,

    p.s: mas que grande merda mesmo!

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  2. c'est vrai. he seems an author q. estava cagando para se promover adoptando posturas q., en general, los lectores wait from writers. c'est la raison, entre outras, he sounded so interesting.

    with all his footnotes.

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