quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

O que a conversa lamenta é grandeza perdida: Benjamin

Minor White, Two Barns and Shadow, 1955


Dos sobretons epifânicos em Benjamin

Adorno diz que, no caso de Walter Benjamin, seu pensamento configurava-se como se as boas promessas dos contos de fadas e das histórias infantis tivessem de ser resgatadas e não repelidas em nome de uma infame maturidade. É um bom modo de cristalizar uma caracterização. À sua vez, os marxistas ortodoxos do passado, não cessavam de acusar Benjamin de seduzir os jovens com uma linguagem epifânica, plena de ressonâncias poéticas, próxima da linguagem dos profetas nas Escrituras. O que eles não compreendiam, então, é que os jovens eram seduzidos, sim, mas não propriamente por conta de a linguagem assemelhar-se à das Escrituras. Pois, neste caso, estariam todos debruçados diretamente na fonte, e trariam trechos e mais trechos da Bíblia de cor. A sedução provinha mais do grau de verdade que os jovens sentiam nos ensaios do autor de “Der Erzähler”E, logo, a acusação mesma já se constituía num maravilhoso aval e incentivo. Numa sanção que apontava para o quanto a teologia judaico-cristã impregnava o pensamento de Benjamin aliando-se a outros veios, como a estética de Kant e, obviamente, o pensamento de Marx e a nascente psicanálise de Freud e Jung. Ou o quanto havia de riqueza e aberturas em sua concepção do que era conhecimento, pois  nem por um segundo ele abre mão da simultaneidade dessas perspectivas. Se as utiliza de modo alegórico, se elas se combinam para conformar uma outra visão materialista da modernidade; se  são, ao fim de tudo, emasculadas ou drenadas de suas potencialidades, e muitos outros “se's” para adiante; isto são outros quinhentos.
Mas ainda hoje – e mesmo para alguém habituado com a expressividade do autor da "Pequena História da Fotografia" – é encostar o olho em um texto seu ainda não lido e admirar suas qualidades de ensaísta. E, porque há tanta presentificação de sentimentos e sensações, é filosofia mas ao mesmo tempo confissão. E romance. Um prazer que não quer chegar só ao espírito mas igualmente ao corpo. Como no início deste “As Metafísicas da Juventude”, que, salvo engano, ainda é inédito em português. O ensaio, que é de 1914, divide-se em três tópicos: A Conversa, O Diário, O Baile. Abre com uma epígrafe de Hölderlin – que mais tarde, na sua “A Tarefa (Vexame) do Tradutor” Benjamin irá caracterizar como alguém que esteve tão próximo da perfeição ao traduzir (no caso os gregos), que experimentou uma vertiginosa aberração de linguagem e uma espécie de crise ou surto, para logo em seguida cair num mutismo absoluto. O intuito deste "As Metafísicas da Juventude", no entanto, é bem outro. É dimensionar o quanto já na juventude nos nutrimos de coisas passadas. Ou as buscamos vencê-las. Ou somos vencidos por elas. O modo, enfim, como com elas travamos o que há de verdadeiramente épico em nossos embates pessoais:


A Conversa

Porque sois vós, oh, Juventude, quem sempre me desperta
prontamente pela manhã? E onde estais, Luz?
Friedrich Hölderlin –

I.
Diurnamente, lançamos mão de desmedidas energias como quando dormimos. O que fazemos e pensamos é preenchido com o ser de nossos pais e ancestrais. Um simbolismo incompreensível nos escraviza sem cerimônia. Às vezes, ao despertar, lembramos de um sonho. Dessa forma, raros raios de intuição iluminam as ruínas de nossas energias geradas ao longo do tempo. Estávamos acostumados com o espírito [Geist] tanto quanto com a batida do coração que nos permite levantar pesos e digerir a comida.
Cada conversa trata do conhecimento do passado tanto assim como de nossa juventude, e com horror ante a visão das massas espirituais dos campos destroçados. Nunca entrevemos a surda batalha que nossos egos travam com nossos pais. Agora podemos ver o que involuntariamente destruímos e criamos. A conversa lamenta a grandeza perdida.

II
A conversa esforça-se na direção do silêncio, e o ouvinte é de fato a parte silenciosa. O falante recebe dele o significado; o silencioso é a fonte inalienável do sentido. A conversa alça palavras aos seus lábios ao modo de vasos, jarras. O falante imerge na memória de sua fortaleza por palavras e busca formas nas quais o ouvinte possa se revelar. Pois o falante fala a fim de instalar a persuasão. Ele entende o ouvinte a despeito de seu silêncio; ele percebe que está se dirigindo a alguém cujas feições são inexaurivelmente sinceras e boas, enquanto ele, o falante, blasfema contra a linguagem.
[...]


III
O silêncio é a fronteira externa da conversa. A pessoa improdutiva nunca alcança essa fronteira; ela dispõe sua conversa como monólogo. Ela sai da conversa para entrar no diário ou no café.
[...]
A grandeza é o silêncio eterno após a conversa. É ouvir o ritmo das próprias palavras no espaço vazio. 
[...]


O Baile
[...]
Mas uma palavra, dita à noite, nos convoca alguém, caminhamos juntos, não precisamos propriamente da música, mas podemos juntos deitar no escuro, mesmo que nossos olhos cintilem, como uma lâmina entre duas pessoas. Sabemos que as impiedosas realidades que foram exorcizadas ainda pairam ao redor da casa. Os poetas, com seus sorrisos amargos, os santos e os policiais, e os carros de emboscada. De tempos em tempos, a música adentra o mundo exterior e os suprime.

* * *

2 comentários:

  1. Veja no Youtube o Walter Benjamin português...

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  2. já vi. não está mal. mas precisa afinar um pouco mais. e isso vem com tempo?

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