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Valsa
Eu me pergunto se entre os que levaram uma vida acadêmica pachorrenta, segura, entorpecidamente regular, feita em cima desse escritor que viveu entre a miséria e o desespero, há um único que se envergonhe.
[Elias Canetti]
[Elias Canetti]
Tenho o lápis à mão. Mas o lápis não passa de um galho bem afiado com um pedaço de carvão na ponta. Inútil torná-lo motivo de algum método, vantagem. Com o lápis, percorro velozmente o papel. Como não posso fazer com caneta, teclado. Mas mesmo isto só é possível, porque tenho o pulso adaptado à mente. E ambos capazes de acomodar-se às posturas menos confortáveis. Tanto na vida real quanto no mundo das ideias.
Meu pai era encadernador, fazia aviamentos. O que ele mal sabia era que encadernava livros que eu ainda ia escrever. Era que eu escrevia muito mais velozmente do que ele sonharia encadernar.
Passei por colégios internos. Publiquei em revistas. Tive modesto sucesso. Uma vida social efêmera e desastrada na nossa pequena metrópole. Não fui adiante. O que escrevi, ficou para trás depois da guerra. Datado, sem valor. Voltei à província. Vivi em cômodos alugados. Daqui para ali. Cozinhando batatas no inverno. Coando meu próprio café. Até que já não tinha como me manter. E então internaram-me num asilo. E, ainda assim, cobravam que eu escrevesse. Mas o que eu gosto mesmo é de andar por aí. A um amigo que ainda me visitava no asilo, disse com todas as letras:
–Veja, não estou aqui para escrever, estou aqui para ser louco.
Certo Dia de Natal, fui caminhar no bosque. Julguei ouvir um pregão. Segui entre as árvores. Era isto mesmo, uma pregoeira ali perdida, naquelas brenhas geladas. Mas não conseguia distinguir o que apregoava. Apesar dos meus setenta e oito, segui-a com a mesma agilidade do lápis.
Quando me encontraram e fizeram aquelas medonhas fotografias, eu já era só corpo.
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