quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Tempos verbais e o absurdo

Paula Rego, A Concise Definition of Answers, 1996

Ano que vem, respondo

O mais-que-perfeito é um tempo verbal adorável. Sua desinência é frágil, quebradiça, como um utensílio - fechadura, tábua de carne, cadeira de palhinha - que pelo excesso de uso demarca o transcurso do tempo. E com um nome completamente doido. Ilógico. É um passado anterior ao passado. É feito aquele moedor de carne à manivela que quando éramos pequenos já sabíamos que era passado. Que estivera ali antes da gente nascer, acoplado à mesa da cozinha, e embora ainda fosse eventualmente utilizado, coisas mais práticas estavam por vir. Por estas bandas, ninguém  mais emprega o mais-que-perfeito na versão falada da língua. Só na escrita. Mas, ainda assim, no campo da pura lógica, o mais-que-perfeito empata com o futuro do pretérito, que é também outro monstro sem lógica, porque só o presente pode ter um futuro. O futuro do passado é justamente o presente. O breve presente. O presente que grita que não pode ser longo, como quer o autor das Confissões. Ainda assim, o futuro do pretérito abre-se em possibilidades. É o tempo dos utópicos, dos sonhadores, dos neuróticos e dos santos. E por isso os políticos não gostam dele. Preferem o futuro do presente. Mente-se melhor e mais seguro com o futuro do presente.
Algo mais que perfeito é literalmente um disparate em termos filosóficos. E até teológicos. Um linguista alemão iria dar tratos à bola com um nome assim. Já o futuro do pretérito é pouco empregado em Portugal, onde foi substituído pelo imperfeito. Por que será que caiu nas graças do brasileiro? Eu responderia agora. Mas tenho que sair.

Ano que vem, respondo.

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