sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

No único ponto em que você daria tudo para segui-lo — Benjamin sobre Chaplin

Charles Chaplin, The Circus, 1928


Suas roupas são impermeáveis aos golpes do destino


Há um inesperado registro de Benjamin em que ele esboça uma breve resenha de The Circus (Charles Chaplin, 1928). Achado entre seus papéis de circunstância, a intersecção entre esses dois emblemas do séc. XX, o clown e o crítico, foi incorporada às Obras Completas (Gesammelte Schriften, VI, p. 137-138) do autor de Rua de Mão Única. A pequena resenha, inédita em português, salvo engano, é como segue: 


Chaplin

Depois de uma exibição de O Circo.
Chaplin nunca concede o sorriso aos espectadores enquanto estes o assistem. A audiência tem de duplicar-se: ou gargalhar ou ficar muito triste.
Chaplin saúda as pessoas erguendo a cartola, e parece a tampa da chaleira decolando quando água ferve.
Suas roupas são impermeáveis a cada golpe do destino. Ele bem parece que não as retira faz um mês. As camas e ele não se entendem; quando deita-se, deita-se em cima de um carrinho-de-mão ou de uma gangorra. Todo encardido, suado, metido em roupas demasiado curtas, Chaplin é a encarnação viva do aperçu de Goethe: o homem não seria a mais nobre criatura sobre a Terra se não fosse nobre o bastante.
Esse filme é o primeiro da maturidade de Chaplin. Ele envelheceu desde o filme anterior, mas também atua como um velho. E a coisa mais tocante desse novo filme é a sensação de que agora ele possui uma clara perspectiva das possibilidades abertas diante de si, e resolveu trabalhar exclusivamente dentro de certos limites a fim de alcançar os propósitos.
Ponto a ponto a variação dos grandes temas de Chaplin é revelada em toda a sua glória. A perseguição se dá num dédalo; sua aparição inesperada assombraria um mágico; a máscara de alheamento o transforma em marionete de feira. A parte mais maravilhosa, entretanto, vem do modo como se organiza o fim do filme. Ele joga confete no jovem e feliz casal, e a gente pensa: pronto, é o fim. E então lá se tem ele, de pé, quando o cortejo do circo toma seu caminho; ele fecha a porta à rabeira de todos e a gente pensa: pronto, é o fim. E então o surpreendemos enfronhado no aro do círculo previamente esboçado pela pobreza, e se pensa: pronto, agora é o fim. E logo surge um close-up de sua figura completamente desconjuntada, sentada sobre uma pedra no picadeiro. E então se pensa: agora o fim é inevitável. Mas daí ele ergue-se e é possível vê-lo de costas, caminhando para mais e mais distante naquele passo característico de Charlie Chaplin, que é sua própria marca registrada ambulante, feito a marca registrada da companhia que a gente vê em outros filmes. E então, no único ponto em que não há cortes e você daria tudo para segui-lo com o olhar para sempre—o filme acaba.

[Walter Benjamin]

* * *

2 comentários:

  1. Sempre encontro algo de "tocante" nos filmes de Chaplin.Talvez eu seja de outra época.Certa vez, durante uma interna, enquanto os atores se preparavam e esperávamos os atrasados, parei para ver o que passava na televisão que estava ligada há horas.Era um especial sobre o cineasta.No meio daquele corre corre , me acomodei no sofá e fiquei assistindo o programa.Em quase 40 minutos, alguns colegas se sentaram ao meu lado, mas logo se levantaram e até hoje tem quem não entenda o que vejo em Chaplin.Talvez porque a maioria dos presentes naquele dia não tinha mais que 30 e poucos anos.

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  2. chaplin é imenso mesmo, c. transcende idades. se um dia nos fosse dado olhar o século XX em perspectiva, é provável que ele tivesse o rosto de chaplin. e obrigado mais esta vez por presença, leitura, comentário. cheers!

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