segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Xorozinho e Titãozó

[s/i/c]


i. Distenso
A primeira vez que fomos ao cinema, a gente chegou cedo. Ficou olhando um para o outro. E olhei bem dentro do lazúli. Havia uma certeza, uma promessa e uma porção de outras coisas perigando ali dentro. Feito lua, mangue: uma perenidade. Chama ouro e azul. O shopping. As pessoas. E, de repente, elas agora tinham duas bocas e um olho. Umas poucas usavam óculos. Algumas roíam unhas. E havia as que eram, bem, eram só bocejos. Os casais, em geral. Outras, ainda, punham ketchup no cachorro quente com tamanha convicção, que o que parecia ir na tarefa era o coroamento do dia. Já tínhamos visto aquilo tudo a perder de cenário. Mas nunca juntos. E, por mais que fosse previsível, era encantador: a bilheteira volta e meia anunciando algo no pequeno microfone, de costas para a fila, tinha um avental rosa e um pom-pom. O aroma da manteiga na pipoca, churros, chocolates, os enormes copos repletos de Coca-Cola e gelo. E podia-se perguntar: será que se pode levar para casa, e usar como ofurô? Confesso, quando peguei a mão dela, a minha, mais fria que aqueles copos, tremia. Corpos celestes giravam mais rápido suas elipses. Nem de certezas, promessa ou intuição pode mais o homem viver debaixo do sol, Princesa? Nosso ponteiro dos segundos eram os degraus da escada rolante. E de tão absorvidos um com o outro, mal sabíamos: perderíamos por muito o horário do filme. 

ii. Paráfrase
A primeira vez que fomos juntos ao cinema, foi um filmaço digno de sessão de arte. A gente chegou cedo demais. Ficou olhando um para o outro. Para o mundo. As pessoas. Elas tinham orelhas. Sovacos. Dentes. Cotovelos. Aromas. Nem sempre agradáveis. E umas poucas usavam um par de hastes de fibra e dois cristais em cima do nariz. Mais ou menos, assim. Algumas, talvez por um atavismo canibal, mordiam a ponta dos dedos. E havia as que escancaravam a boca e torciam o pescoço com se fossem devorar o mundo. Estas andavam em dupla, davam-se as mãos, olhavam para os lados. Sua carícia maior era um cutucão. Ou apanhar a chave do carro que pendia do chaveiro e pôr no bolso do outro com uma cara de poucos amigos. Faltava um fio de cabelo para o assovio. Será que tudo que sabiam era morder ar? Agora, outras comiam pipoca em sacos do tamanho de cochos. Ou botavam um troço pegajoso, da cor do batom de Marilyn Monroe em O Pecado Mora ao Lado nos sanduíches. E daí bebiam Coca-Cola em copos maiores do que chapéus de burro, coalhados de gelo. E nem era com elas. Confesso, quando trisquei sua mão, a minha -- suada, mais gelada do que aqueles corpos -- tremia feito um trampolim depois que a ginasta ornamenta o salto. Os degraus das escadas rolantes, nem é bom lembrar, sumiam. E reapareciam do outro lado.
Perdemos a sessão. Lembra? Mas foi a vez que deu mais gosto ir ao cinema. 
Sem ressentimentos, Princesa. Não era pra ter sido. Na próxima encarnação a gente dá um jeito.


iii. Princesa
A gente chegou meia-hora antes e ele ficou embromando. Ô, meu Deus! O sujeito valia por dois cretinos. Uma dupla sertaneja. Acredita que a gente ainda perdeu a hora! Fuck up! Tá certo, era estrábico, coitado. Mas precisava ficar me olhando daquele jeito? Não sou lente de microscópio, não, amiga. Tava vendo a hora o infeliz ter um troço. Ou então, aquele narigão dele dobrar na minha bochecha. Não! A mão suada. E ainda cuspia tudo em volta quando falava.
Moral da história: nunca mais saio com dentuços.


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