sábado, 7 de janeiro de 2012

Maria da Paz e os demonstrativos

[s/i/c]

Este, Aquela

Em determinados contextos, problema insolúvel da língua vai pelo emprego de “este” e “esse”. Difícil situar quem é, afinal, o parâmetro de distância ou proximidade. Se tal parâmetro é mais abstrato ou concreto. Se resume-se ao que está sendo escrito. Ou se reporta a algo que está fora da escrita. Se há um curto circuito entre tempos e espaços.
"Aquele" já é um pouco mais fácil.
Para casos assim, crônicos, ou mesmo para apagões momentâneos, Maria da Paz Ribeiro Dantas era providencial. Sua concepção de gramática ia a reboque de certa filosofia. Passava mais por reflexão que por fixidez. E, bem mais do que isso, era providencial e esclarecedor conversar com ela sobre Joaquim Cardozo.
Mas Maria da Paz morreu do coração no começo de setembro do ano passado, aos setenta e um anos. Talvez por não mais estar indo diariamente ao Arquivo Público, em Olinda, desde o Rosarinho. Algo que sua paraplegia – que, à exceção da infância, a fez viver em uma cadeira de rodas – nunca impediu. Maria da Paz sonhava andando de patins, uma de suas brincadeiras preferidas numa infância passada em fazendas, na Zona da Mata paraibana. Afora isso e alguns anos a mais, ela foi praticamente do Recife, onde chegou em 1963.
Era folclórica sua dificuldade com a internet. Quando sugeri que ela instalasse Skype, aí por 2005, me disse: “Olha o Murilo está vindo aí no fim de semana e vê isso pra mim”. E não adiantava insistir que baixar o Skype era mais fácil do que compreender definitivamente o emprego de 'esse' e 'este'.
Ela era de um outro tempo. De um tempo em que uma pessoa com seu cabedal de conhecimento, seu manejo da linguagem, ainda tomava como central dedicar a vida ao estudo de um poeta. E tomá-lo não como acessório para um degrau acadêmico, mas como projeto de toda uma vida. Com amorosa, paciente dedicação.
Ninguém escreveu mais lucidamente e com conhecimento de causa sobre Cardozo do que ela. Ou ainda tratou o assunto de forma assim apaixonada. Ainda hoje pode-se acessar o site que Maria da Paz montou para divulgar a obra do poeta de Signo Estrelado. E lá se encontra a poesia completa de Cardozo, à exceção do teatro (que usualmente é em verso), das crônicas, e de um ou outro item mais circunstancial.
Maria da Paz, in her own right, foi também e ocasionalmente uma poeta de algumas belas soluções, como esta de “O Capibaribe no Recife”: “Nada mais doméstico/ do que esse boi manso/ pastando a si mesmo sob a canga das pontes”. A solução está mais perto de mim ou de quem a elaborou e já não se encontra entre nós?
Com o pensamento em Maria da Paz, há um texto publicado aqui, alguns meses atrás. E é bastante provável que muito pouca gente tenha se dado conta de que era para ela.
Para que viver de notícias? Em certos casos é necessário digeri-las em silêncio. Remoê-las por algum entreato. Ainda que o sentimento, quando posto em texto, diga tão pouco. Quase nada.
Deste para aquela.


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