domingo, 15 de abril de 2007

Depende, uma boa idéia nem sempre dá bons frutos: problemas na recepção da poesia de Robert Creeley no Brasil.


Jackson Pollock, 1948



Nota sobre Ceeley dois anos após sua morte


Ler Creeley em meados dos 80 foi descobrir uma poesia das possibilidades. Uma forma nova em uma mente aguda. Porém o que mais atrai em Creeley está longe de ser sua sintaxe errática, randômica, desorientada – ou seja, o ingrediente de mais apelo a poetas brasileiros de ouvidos menos apurados. Lembremos que essa sintaxe é derivativa. Sobrevem do modo como Creeley, na esteira de Williams, às vezes escreve roçando a fala. O que atrai mais em Creeley é compressão, coloquialismo estilizado, aferição de percurso do pensamento e senso de abstração em processo. E é pontual sublinhar que, à exceção da compressão, há gente que realiza melhor cada um destes aspectos individualmente. O’Hara coloquializa com mais graça. Ashbery acompanha melhor o percurso do pensamento. Oppen tece um melhor abstrato da coisa tratada. Os livros de Creeley não têm prefácios. Ao menos prefácios delegados a outrem. Ou um esboço de contexto; contato. Pôr um prefácio a eles e seria o equivalente a reescrevê-los. Ou admitir um fracasso. Ou delegar-se a um terceiro. Esta última opção deveria soar terrível para Creeley. E não só porque trai o solipsismo de sua proposta. Mas pelo fechamento do caso. De uns tempos para cá, Creeley tem sido o poeta mais imitado – sobretudo em sua sintaxe – pelos brasileiros. E em equívoco, porque nenhum em meio a essa legião teve fôlego para agregar Creeley como um vetor de criatividade. Mas também porque ele é de difícil digestão num país que passou muito rápido da medida à poesia concreta sem senso de mesura. Ora, como assegura Williams, Creeley possui “o mais apurado sentido de medida que podemos encontrar por aí a exceção dos versos de Ezra Pound” (“The subtlest feeling for the measure that I encounter anywhere except in the verses of Ezra Pound”). Hoje é já possível vislumbrar que esse homem que sempre escreveu o mesmo poema talvez tenha uma obra excessivamente volumosa. Algo a pensar. Os heróis de Creeley são todos do alto-modernismo – Pound, Williams, Olson, Zukofsky e, no plano de idéias afins, Wittgenstein, mas também Benjamin, Bresson. Assim, muito embora Creeley tenha tentado reiventar-se, nos 60’ e nos 70’, a tentativa desandou porque, malgré lui, sua medida de dizer as coisas sempre foi mais resplandecente do que o que está sendo dito. O que implica em dizer rachando com o próprio lema de Creeley, apregoado por Olson na teoria do ‘verso projetivo’ [‘projective verse’, qual seja “a forma não é mais que uma extensão do conteúdo"] que há aqui uma falácia de argumento. Pois para Creeley a forma sempre foi mais que uma mera extensão de conteúdo. O trunfo da vez para a poesia brasileira – bastante avessa à idéia da forma, ou de uma arte “fria” – teria sido apreendê-lo pelo seu estilo mais do que pelo que vai declarado. Sintaxe é ordem de declaração. Passam os anos. E, no Brasil, esse importante poeta é muito mais assaltado pela diluição que reconhecido pela idéia.


Nota – há alguns poemas de Creeley bem como outras tantas referências a ele postados em Afetivagem.

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