Thomas Hawk, Late Night Bus, 2004
O Colosso de Rodes
Toda vez, toda vez que voltava para Rodes, um subúrbio obscuro, numa obscura cidade da província, seus olhos remendavam-se ao vê-la. Quieta. Observando através do vidro, estriado pelas chuvas, as luzes difusas dos botecos, pracinhas desmanteladas. Como ela conseguia distinguir-se das demais era mistério.
Fato era o modo como prendia o cabelo e envergava quase as mesmas roupas das outras, mas que nela caíam com charme e dobras indisfarçáveis. Certo torneio do ombro nu. A pressão da alça sobre a tez macia. Quantas vezes não sentou ao lado dela. E enxergou no singelo anel cingindo o dedo mínimo um pretexto qualquer de conversa. E não seguia tão cheia a lua, que não custava dizer boa-noite? Mas não. Ela parecia tão distinta. Na certa era noiva. Meses se passaram. E raras as noites em que não voltavam para Rodes no mesmo ônibus.
Até que um colossal projeto de reurbanização extinguiu a linha, substituída por um metrô de superfície. Pontuais e longas composições. Quase sempre não mais a via, na volta do trabalho – cidades-dormitório são pesadelos que se tem de contornar com um pouco de fantasia (de preferência em vigília) e alguns fumos de glória futebolística.
À última vez que a viu – já se esconde no calendário – ela estava grávida.
E, ao fim de tudo, abriram um gigantesco shopping-center em Rodes.
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