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A recente greve da polícia dá o que pensar. E mais ainda quando comparada a dos professores. Os dois episódios postos em paralelo – negociações, lances mais dramáticos, respectivos desfechos – repassam a medida exata do grau das prioridades da sociedade. Então, numa reflexão mais continuada, pertinente, que é justamente o que a imprensa não faz – mas também quem a ela tem acesso não está interessado em fazer (para não falar de quem a domina) – seria necessário adentrar em territórios menos unidimensionais que os sovados clichês que a gente assiste na TV, lê na internet ou nos principais jornais impressos.
O fato de não haver espaço na imprensa para esse eco reflexivo diz muito. E por quê? Porque esse espaço já foi menor. Hoje em dia, o grau de participação da sociedade civil, convocada a opinar sobre o assunto candente do momento é evidentemente maior que, digamos, há duas, três décadas atrás. E, contudo, ainda é bastante escasso, incipiente, previsível mesmo, em certas situações, diante das enormes distorções e demandas sociais com as quais convivemos dia após dia.
Não é o caso, aqui, de se cair no truísmo de que a imprensa reflete a sociedade. Ora, é claro que a imprensa reflete a sociedade. Mas o que não reflete a sociedade: o jogo de porrinha? O hábito de lamber barro? O vendedor de doce americano? As cidades vomitando automóveis pelo gargalo? A escassez de novas vias de acesso? A corrupção que implica estender ao infinito a construção de um ramal de metrô? Pedestres e motociclistas morrendo como piolhos? Os arrastões? A estrutura do ensino público? A forma de organização da polícia?
Se tudo reflete a sociedade, é necessário, então, pensar que alguns setores precisam avançar mais que outros. Que certas categorias profissionais precisam se posicionar com mais sentido de urgência social. E, claro, entre elas está a imprensa. E, claro, entre elas está a educação.
A primeira amplifica. A segunda cria as condições para que essa amplificação seja matizada. E, mais importante, seja diversificada com qualidade: aprofundada, compósita. Ou seja, diversificada, enriquecida por outros ângulos e pontos de vista. Por outras experiências. Ultrapasse, enfim, o grotesco simplismo, da pasteurização, do sentido de cópia que entrevemos diuturnamente nos telejornais, no rádio, nos jornais impressos e seus desdobramentos digitais, no rumo de uma imprensa mais autoconsciente de suas possibilidades e mais criativa em suas soluções formais.
Assim, a educação – especialmente a pública – é uma prioridade, porque responde pelas duas pontas da equação: quem gera a notícia e quem, ao interagir com a notícia, agrega a ela possibilidades de solução, sugestão, correção, reflexão, ressalva, nuance, reverberação, etc.
Neste ponto, pode-se voltar ao paralelo entre as duas greves: a dos professores e a dos policiais. Uma estendeu-se por meses, causou um estrago muito maior à sociedade, no sentido de que um enorme contingente de potenciais cidadãos tiveram a única e débil possibilidade de essa cidadania consolidar-se suspensa por prazo indeterminado. Quantos não deviam estar em sala de aula e não morreram atropelados nas ruas e sequer entraram nas estatísticas? Além do que, nunca essas reposições, pós-greves longas, devolvem ao aluno a mesma qualidade de serviço que ele teria num semestre letivo normal, que, como sabemos, já é de uma qualidade desastrosa, para dizer o de menos.
Além disso, representantes e manifestantes dos professores foram agredidos no processo. E justo por quem? Pelos mesmos que entrariam em greve alguns meses depois... Mas, se a agressão aos professores não despertou maior celeuma na população, é também porque a figura do professor da escola pública, em si, não lhe desperta maior estima.
O sentido de urgência, incomensuravelmente maior na solução da greve da polícia, passou longe de ser só do governo do estado. Ou da determinação pessoal das autoridades. Isto é o que mais precisa ficar claro: o sentido de urgência foi coletivo. Mutiplicou-se em escala maciça não só na imprensa, mas nas redes sociais, nas relações interpessoais e comunitárias, nas ruas e praias – pois, de outra forma, quase não se ouviu falar do interior. Quer dizer, não há parâmetro de comparação: a greve dos policiais foi muito mais importante para a sociedade do que a dos professores. E, em consequência, resolvida também com escandaloso senso de urgência, se posta em paralelo com a outra.
É este o problema. O ponto de onde se deveria partir. O ponto que deveria ser mais destacado. Indicado com mais urgência. O espaço de onde decolar para ao menos começar, de modo mais digno, uma reflexão ampla, continuada, de anos e anos. De constância na imprensa.
Ou seja, por que o valor que damos, coletivamente, enquanto povo, à eduação é ainda tão reles diante da necessidade de polícia que temos? Será por conta de viver numa sociedade de renda extremamente mal distribuída desde seus mecanismo de geração? E não será mal distribuída exatamente e em grande parte por conta de um sistema educacional público de dar vergonha? São apenas perguntas iniciais.
Pode-se no entanto sonhar com o tempo em que uma greve da polícia desperte menos alvoroço e pânico coletivo que uma greve da educação. Vai demorar a chegar esse tempo.
Se chegar.
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