terça-feira, 10 de maio de 2011

Elas vão entender esse velho capitão muito tempo depois

[s/i/c]


Oh, Captain, my Captain!

Acho que não seria de todo uma indiscrição transcrever o trecho de uma correspondência recente. Eu falava da fixação de minhas filhas, principalmente de Isabela, a mais nova, quatro anos recém-completos, pela figura do Capitão Gancho. Do outro lado do servidor de imeios, estava Odorico Leal, que em janeiro passado, no seu blogue, havia escrito sobre J. M. Barrie e seus personagens, Pan e Gancho incluídos. Odorico é um cara do tipo faz-tudo -- toca guitarra, compõe, traduz, canta super bem e escreve do jeito que lhe dá na telha. Gosta de poetas que ninguém gosta. Lê coisas que ninguém mais lê. Lê traduções da Ilíada acompanhado de um metrônomo. Tem até aquele clássico arrependimento que todo escritor, um pouco mais honesto, talentoso, tem ao menos uma vez na vida: não haver feito letras clássicas. E devora livros em vagões lotadíssimos do metrô, enquanto vai bem ali em São Paulo dar aulas de inglês --sabe-se que quase todo ir bem ali em São Paulo demanda pelo menos umas sete estações de metrô em duas diferentes linhas. O trecho é o seguinte e muito saboroso para todos que tem um certo fraco por anti-heróis:


Gosto muito da estória do Peter Pan, o J. M. Barrie escreve bem. Eu estive por escrever alguma coisa sobre o livro, mas nunca tive tempo ou coração. O Hook é um miserável genial, e infinitamente melancólico. Inveja no Peter a naturalidade que o torna invencível. A consciência do tempo e da morte pelo relógio e o crocodilo lhe encheu de conflitos morais, lhe roubou a espontaneidade aristocrática: está sempre refletindo sobre 'good form' e 'bad form', que são conceitos not perfectly easy to grasp. Não dizem respeito apenas à conduta moral, de fazer o bem ou o mal, mas ao grau de auto-questionamento em cada gesto: diz respeito a uma espécie de ingenuidade que lhe permite ser auto-confiante sem sabê-lo: mesmo Smee, o ajudante meio Sancho Pança do Hook, tem 'good form' - os lost boys gostam dele, embora seja pirata. O melhor modo de ter 'good form' é 'not knowing anything about it'. 'Good form' faz o mundo se mover. Há algo de Hamlet no Hook, porque ele sente-se fora dessa esfera da boa forma, sabe-se um elemento negro dentro da Neverland, uma forma deformada, um personagem carcomido por reflexões, inveja, ciúme e tristeza, tocado de humanidade, wearing the rags of his mortal pride. Acho bonito, in a sort of painful way, que num clássico infantil haja essa figura triste, atormentada por auto-consciência, julgando-se a si próprio obsessivamente em relação à ideal disposição, eternamente jovem, de Pan. They will figure out that old captain many years later in their lives.
 
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