Henri Cartier-Bresson, Quai Saint Bernard, Paris, 1932.
Entre o eu e seu verdadeiro lar
O exílio nos compele, estranhamente, a pensar sobre ele, mas é terrível de experienciar. Ele é uma fratura incurável entre um ser humano e um lugar natal. Entre o eu e seu verdadeiro lar: sua tristeza essencial jamais pode ser superada. E embora seja verdade que a literatura e a história contêm episódios heroicos, românticos, gloriosos e até triunfais da vida de um exilado, eles não são mais do que esforços para superar a dor mutiladora da separação. As realizações do exílio são permanentemente minadas pela perda de algo deixado para trás para sempre.
Mas, se o verdadeiro exílio é uma condição de perda terminal, por que foi tão facilmente transformado num tema vigoroso – enriquecedor, inclusive – da cultura moderna? Habituamo-nos a considerar o período moderno em si como espiritualmente destituído e alienado, a era da ansiedade e da ausência de vínculos. Nietzsche nos ensinou a sentir-nos em desacordo com a tradição, e Freud a ver na intimidade doméstica a face polida pintada sobre o ódio parricida e incestuoso. A moderna cultura ocidental é, em larga medida, obra de exilados, emigrantes, refugiados. Nos Estado Unidos, o pensamento acadêmico, intelectual e estético é o que é hoje graças aos refugiados do fascismo, do comunismo e de outros regimes dados a oprimir e expulsar os dissidentes. O crítico George Steiner chegou a propor a tese de que todo um gênero da literatura ocidental do séc. XX é “extraterritorial”, uma literatura feita por exilados, símbolo da era do refugiado. E sugeriu:
Parece apropriado que aqueles que criam arte numa situação de quase barbárie, que produziu tanta gente sem lar, sejam eles mesmos poetas sem casa e errantes entre línguas. Excêntricos, arredios, nostálgicos, deliberadamente inoportunos...
Edward Said, Reflexões sobre o exílio e outros ensaios, Companhia das Letras, 2003
[Tradução: Pedro Maia Soares]
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