Brice Marden, 1988
Triângulos, Retângulos, Trapézios (Amorosos?)
Essa incapacidade de entender quem se mete em triângulos amorosos.
Essa estranha certeza – não tomada de um moralismo tacanho – mas de uma intuição simples, de uma sorte de convicção interior, que é humanamente impossível amar duas pessoas ao mesmo tempo.
Que pode haver atração, sexo até, vá lá: isso é perfeitamente concebível. Porém sexo é tão-só uma fração de amor. E, em dadas circunstâncias, sequer a mais importante. E em outras dadas circunstâncias, nem de longe a mais importante – o que não lhe diminui, ao contrário. Daí que existam duas palavras que os designam. E nem sempre uma da outra sinônima seja.
Para além, o fato de amor ser incondicional, não quer dizer que seja plano, unilateral. Chato. Porque para ser unilateral, como dizia o filósofo, é preciso ter ao menos um lado. Porém o amor é o único algo, que possuindo um só lado, ainda assim passa longe de ser unilateral. Porque busca outro lado. Talvez não o atinja jamais. Pois qual homem pode dizer que conhece, de fato, uma mulher? Ou qual mulher pode dizer que não há qualquer segredo em um homem? Ou qual pessoa pode decretar total desvelamento do par? Poro a poro; reflexo a reflexo; reação a reação; palavra a palavra; migalha a migalha de pensamento?
A vida dos afetos se tem visto afetada por um excesso de complicações interposta pelas pessoas. Converteu-se numa semiose, cujos signos devem ser levados ao divã – sem por um segundo se pôr em xeque, que quem te ouve ao divã pode ser um rematado imbecil.
Em geral, isso se dá pelo desmedido egoísmo de cada um de nós. Queremos ser modernos (ou além de modernos) além da conta. Está nos filmes. Nos romances. Como se o número e não a intensidade fosse a qualidade em questão. O advento. A própria mensagem. O próprio meio. A forma e o conteúdo. O envelope e a carta. Algo intraduzível. Quando, sabe-se não passa de avarícia, jogo de poder. Ou uma coleção de medos a se alastrar, feito câncer. Medos que paralisam. E, conversamente, levam a uma ação: oposta à ação de amar. Uma coleção que se pode tratar tão a contento quanto o apaixonado filatelista afixa uma nova estampa no álbum. Ou quando o entomólogo disseca uma nova espécie de inseto e põe à prancha.
Mas amor é a única forma de ser dois em paisagem. E, nos campos do afeto, simplicidade é uma adivinhação difícil, e prosseguir.
Mas tudo que é simples, também raro de achar. Dificultoso, suor, cotidiano. Não em volubilidade. Não um aticismo. Um não capricho.
Essa adivinhação.
Esse prosseguir.
O momento em que certas palavras, mesmo as intraduzíveis - como belated, no sentido de "estar atrasado às primeiras horas da noite" - conhecem seu suplemento.
Sua adivinhação.
Seu prosseguir.
Mas tudo isso, enfim, é demasiadamente incisivo. Pesa. Demanda uma paciência de Jó. Preferível, então, jogar com eles. Com adivinhação. Com prosseguir. Ao modo de duas esfinges que se entredesafiam em enigma. E aí então se traça toda uma geometria plana: triângulos, retângulos, trapézios, círculos...
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