terça-feira, 16 de novembro de 2010

And now we rise, and we are everywhere

Capa do primeiro álbum de Nick Drake, Five Leaves Left, 1969


Acerca de Nick Drake


O mais famoso dos Drakes é o corsário. Um pirata a serviço da coroa inglesa, no sec. XVI: Francis Drake. Tantas aprontou, inclusive apresando preciosas cargas de navios portugueses e espanhóis, que recebeu o título de “Sir” da Rainha Elisabeth I. Morreu de disenteria, ao largo de Porto Rico.

Mas há um outro Drake famoso, afora o bucaneiro: Nick Drake, um músico de arte longa e vida breve, morto aos vinte e seis anos, em 1974. Era detentor de uma forma única de tocar o violão. E tocá-lo com arpejos que exploram todas as cordas do instrumento fazendo-o soar como se mais de um violão estivesse em curso. A voz é de extensão pequena, levemente rouca e extremamente bem empregada – daí que ele fizesse uso de várias afinações alternativas ao violão ou frequentemente lançasse mão do capotasto, para "achar" tons que fossem mais convenientes à voz.

Suas composições são únicas, despojadas, minimalistas. Um tanto quanto retilíneas. Ou seja com um pulsar de violão que segue do começo ao final permitindo-se apenas sutis nuances de dinâmica. Algumas assomam inefavelmente marcadas por uma sorte de nostalgia aparentada com nossa saudade. Mas não. Ainda não é saudade. Porque saudade tem um objeto: um tempo, um afeto, um local, etc. Os alemães possuem um termo mais preciso para o que emana de algumas dessas canções singulares de Drake: Sehnsucht.

Sehnsucht designa uma sorte de "saudade", de nostalgia pelo que ainda não é, ou mesmo não chegou a ser. O termo é preciso e pode ser resilienciado tanto à obra quanto à vida de Drake. Ele morreu de uma overdose de tabletes anti-depressivos pouco depois de, por meio de grande esforço, haver gravado seu último disco. Dizem que num estado físico já deplorável. Tão precário, que ele sequer conseguia tocar e cantar ao mesmo tempo.

Drake era, no entanto, um músico compulsivo. De praticar o instrumento à exaustão. E bem pode-se perceber ecos dessa pesquisa exaustiva, entre as seis cordas, na música de gente como Eliott Smith, por ilustração. Com a ressalva de, em geral, as baladas de Drake soarem impressivamente líricas e , algo, sombrias, como no caso de “Day is Done”, onde há um belo arranjo de cordas que bem lembra a perícia com que George Martin escreveu o arranjo de “Eleanor Rigby”. No caso, o arranjo de “Day is Done” foi escrito por Robert Kirby, amigo e colaborador de Drake. E constitui, em verdade, o primeiro esforço em comum de ambos.

Nick Drake só teve tempo e saúde para gravar 3 álbuns. É difícil decidir qual deles é o melhor. E, apesar de serem respeitados e admirados por seus pares músicos já à época de seu registro, fins dos sessenta a meados dos setenta, os discos venderam tão modestamente que sequer permitiram a Drake viver um pouco mais confortavelmente dos royalties de vendagens. Durante um de seus últimos invernos, por consequência, mal tinha dinheiro para comprar um  par de sapatos novos. 

Sua timidez e estranheza eram folclóricas. Assim como a incapacidade de se comunicar. E uma pródiga dificuldade de se entender com as mulheres. Seu suicídio deu-se poucos dias depois de romper com uma namorada.

A fama foi póstuma. E talvez merecidamente póstuma. Drake era um espírito conturbado. Abusava das drogas. Gostava da solidão. E cultivava hábitos estranhos, como dirigir, sem rumo, horas a fio, até regiões desconhecidas. Bem apessoado, provindo de uma família de alta classe-média do belíssimo condado de Warwickshire, no coração da Inglaterra, era também um ávido leitor de poesia.

Daí que alguns críticos aproximem suas letras de poetas tais como William Blake ou John Keats. Mas a analogia parece um tanto forçada. As letras de Drake, embora bem elaboradas, são simples – o que, mais uma vez ressaltamos, não quer dizer “fáceis”. São quase transparentes. Nada mais distante das mirabolantes metáforas do autor de “The Tiger”, por escarmento.

Duas de suas composições, que tendem ao folk, são quase antíteses. Inclusive temporais, pois se encontram em pontos antípodas: ao começo e ao final de sua curta carreira. Em “Day is Done”, do primeiro disco, descreve-se um dia findo, com o sem remendo de suas frustrações e percalços. Com as horas que não podem ser trazidas de volta e retrabalhadas de uma outra forma. Já em “From the Morning”, do último, há a sensação de inauguro matinal que parece estender-se com tamanha amplitude e transparência que soa quase como um hino ressurrecional.

De fato, “And now we rise/ And we are everywhere”, um trecho da letra de "From the Morning", é o que se encontra gravado em epitáfio na pedra tumular de Drake. O túmulo localiza-se na minúscula cidade em que passou a maior parte de sua vida: Tanworth-in-Arden. E, embora ele às vezes proponha como ambiente de suas músicas o cinzento norte da Inglaterra, como em “Northern Sky”, Drake provem desse jardim que é o Warwickshire.

A mesma região, aliás, de um certo bardo que escreveu em sua última peça que "somos o tipo do estofo de que são feitos os sonhos".

* * *

2 comentários:

  1. Olá, Ruy.

    Ótimo texto. Parabéns.

    Reproduzirei seu texto no Blog Nick Drake Brasil, com todos os créditos e link direto para sua página.

    Depois passe por por lá e diga o que achou.

    Obrigado.
    nickdrakebr.blogspot.com

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  2. obrigado. é bom saber que há um núcleo organizado de gente que curte a música de nick drake no brasil.

    fiquem à vontade para reproduzir o texto, se quiserem

    o fato engraçado, o paradoxo, é que morei dois anos e meio há só uns 30km de tanworth-in-arden, há quase 20 anos atrás; mas só descobri a música de nick drake, ano passado.

    um abraço a vocês todos,


    ruy

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