terça-feira, 16 de novembro de 2010

Bruscos lampejos de pureza e calma

[s/i/c]


'La douceur des êtres'

La douceur des êtres est dans ces brusques éclairs de pureté et de calme, qui viennent trouer la nuit de la solitude. La compréhension, même au-delà des mots, même au-delà de l'intelligence, la compréhension qui ne s'exprime pas mais qui se sent, la liberté terrible qui vient à la fois de l'autre et de moi-même. Ce miracle, seule la lucidité peut l'opérer. Enfin je communique, enfin, je partage. Je sais que je suis aidé.
Si l'art a une force, s'il a une vertu, ce n'est pas parce qu'il nous donne à admirer le monde, ou qu'uil nous offre le clés du mystère. Ce n'est pas non plus parce qu'il nous révèle à nous-mêmes. A quoi servirait d'être révélé dans un univers sourd, aveugle et muet? Non, la force de l'art, c'est de nous donner à regarder le mêmes choses ensemble.
Un tableau, un film, un livre, en soi ne sont rien. Ils n'existent que dès l'instant de leur partage. Et la communication qu'ils permettent  est moins une communication du langage (ou des signes) qu'une communions des mouvement de la vie. C'est une orientation, une indication utile. L'artiste est celui qui nous montre du doigt une parcelle du monde. Il nous invite à suivre son regard, à participer à son aventure. Et c'est uniquement lorsque nos yeux se portent vers l'objet que nous sommes soulagés d'une partie de notre nuit. Elle n'est qu'un moyen d'accéder à eux, un moyen parmi tant d'autres.
[…]
L'art est sans doute la seule forme de progrès qui utilise aussi bien les voies de la vérité que celles du mensonge.


J.M.G. Le Clézio [in L'extase materielle, © copyright , Éditions Gallimard, 1967]



'A Brandura dos Seres'

A brandura dos seres embute-se nesses bruscos lampejos de pureza e de calma, que vem a furar a noite da solidão. A compreensão, mesmo para além das palavras, mesmo para além da inteligência, a compreensão que não se exprime mas que se sente, a liberdade terrível que vem à sua vez do outro e de mim mesmo. Esse milagre, tão-só a lucidez pode operar. Enfim eu comunico, enfim partilho. Sei que sou ajudado.
Se a arte possui uma força, se possui uma virtude, não é porque nos faz admirar o mundo, ou nos oferece as chaves de seu mistério. Não é tampouco por nos revelar a nós mesmos. De que serve ser revelado em um universo surdo, cego e mudo? Não, a força da arte é a de nos fazer olhar as mesmas coisas juntamente.
Um quadro, um filme, um livro em si nada são. Eles só existem no momento em que são compartidos. E a comunicação que eles permitem é menos uma comunicação de linguagem (ou de signos) que uma comunhão de movimentos vitais. É uma orientação, uma indicação útil. O artista é aquele que nos aponta com o dedo para uma porção de mundo. Ele nos convida a seguir seu olhar, a participar de sua aventura. É apenas quando nossos olhos se dirigem ao objeto que somos desafogados de uma fração de nossa noite. Jamais a obra de arte será maior que os homens. Ela não é mais que um meio de chegar até eles, um meio dentre tantos outros.
[…]
A arte é sem dúvida a única forma de progresso que lança mão bem melhor das vias da verdade que da mentira.



GLOSA

A observação é precisa. Inclusive na utilização de duas palavas problemáticas quando se trata de arte: “progresso” e “comunicação”. Mas para ambas, como vemos, há ressalvas. Há a busca de uma contextura precisa que enluva-se na queda do argumento. Tarkovski dizia não existir progresso em arte. Porém, aqui, Le Clézio nos propõe um “progresso” mais em relação à verdade. A um sentido de evolução paritária à verdade. Quanto à “comunicação”, Benjamin nos alerta que se um tradutor de poesia se atém a traduzir apenas o sentido, isto é, se ele se detém somente no reino da comunicação, ele acaba por verter algo não essencial, pois que o essencial "é o misterioso, o imperscrutável, o poético". É justamente o que Le Clézio diz com outras palavras: “comunicação” sim; mas diversa, digamos, da comunicação no sentido jornalístico. Do contrário: “comunhão de movimentos vitais”.

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